domingo, março 30, 2008

Affonso Ávila: vanguardista barroco

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Thaib Chaidar
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Affonso Ávila: vanguardista barroco

Poeta mineiro ressalta papel renovador dos movimentos em São Paulo e Minas
Ivo Barroso
Ser novamente incluído na prestigiosa Coleção Debates da Perspectiva não é um ato de generosidade para com Affonso Ávila, mas o justo reconhecimento de sua consciência crítica, de sua conceituação do barroco e de sua militância vanguardista dentro da poesia brasileira. Affonso Ávila tem todas as qualidades culturais e literárias para se ombrear com os ilustres homenageados que tanto prestígio deram àquela coleção.

O presente livro, cujos textos foram editados inicialmente em 1969, e republicados, com acréscimos, em 1978, reúne, em sua maioria, ensaios e resenhas produzidos pelo autor no período que vai de 1961 a 1973, antes destinados a revistas e suplementos literários. Seu reaparecimento permitirá ao leitor de hoje um encontro ou reencontro com um dos estudiosos brasileiros que mais se distinguiram no campo do nacionalismo crítico e da literatura participante. Graças à acuidade de sua visão histórica, a maior parte desses artigos desfruta flagrante atualidade, e mesmo naqueles em que o autor esboça claras premonições sobre o futuro da literatura brasileira, o leitor verá que, infelizmente, elas acabaram por se concretizar de todo.

No primeiro deles - O Barroco e Uma Linha de Tradição Criativa -, Affonso, que se dedicou por longo tempo e em muitas obras à pesquisa das origens e da evolução do movimento, expõe sua teoria de que 'o homem barroco e o do século 20 são um único e mesmo homem agônico, perplexo, dinâmico, dilacerado entre a consciência de um mundo novo e as peias de uma estrutura anacrônica que o aliena das novas evidências da realidade'. Assim é que ele vê, por exemplo, na prosa modernista de As Memórias Sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade, e no Macunaíma, de Mário de Andrade, 'obras que denunciam a sua franca compleição barroca', e, mais perto de nós, um Guimarães Rosa, um Graciliano, um Drummond também barrocos, além de um Jorge de Lima barroquíssimo (sic), embora fique difícil incluir nesse rol João Cabral de Melo Neto, que se considerava um 'aparador de arestas'. A teorização pesquisadora de Affonso não se restringiu às suas obras próprias; fundou uma revista com este nome, Barroco, que acolheu as colaborações, teses, ensaios, papers dos mais distinguidos nomes do mundo acadêmico e universitário, tornando-se o repositório indispensável de todos os que se dedicavam ao assunto.

Além disso, estruturou uma revista literária, Tendência, que aglutinava a intelligentsia mineira da época, e que estabeleceu posteriormente diálogo com o concretismo, visando à formação de uma 'vanguarda participante'. Essa posição avançada de Affonso, tanto como crítico quanto como poeta, responde pelos fundamentais artigos que escreveu a esse respeito e que são partes relevantes desta obra: Iniciação Didática à Poesia de Vanguarda, Um Conceito Brasileiro de Vanguarda, Estruturalismo e Teoria da Literatura e Vanguardas Poética Brasileiras: Um Depoimento. Em todos eles, enfatiza o papel renovador dos movimentos vanguardistas surgidos em São Paulo e Minas e, fora desse eixo, há uma breve referência ao processo estético-doutrinário contemporaneamente esboçado no Rio, onde o Suplemento do Jornal do Brasil dava acolhida e ampla divulgação aos avanços concretistas.

A nosso ver, Poesia Nova - Uma Épica do Instante é, no entanto, o artigo de maior interesse para os novos leitores, pois nele estão expostos os conceitos fundamentais da renovação poética que se tentava empreender à época, além de criar uma salvaguarda para os perigos de uma rejeição. Erudito mineiro, faiscador de diamantes, Affonso Ávila via no período 1967/68 'o patamar vanguardista e revisionista de toda a segunda metade do século 20, entre nós': momento culminante das artes brasileiras, em que, na esteira do existencialismo, do estruturalismo e do concretismo, elas estariam adquirindo um cunho pessoal, uma trade mark capaz de torná-las 'artigos exportáveis'. Mas o espírito cauteloso das Gerais não deixou o entusiasmo de Ávila sem a desconfiança de que, com o tempo, essas vanguardas se tornariam verbetes enciclopédicos, acessáveis pelo Google. Ele temia um retrocesso da vanguarda, não pela defecção de seus condottieri, mas pela acomodação dos vindouros. E advertia: 'No que tange ao perigo de uma involução, é certo que ele realmente existe e que as novas gerações de poetas se colocam sob esse risco, atraídos que muitos jovens podem se mostrar ao aceno de certas facilidades de promoção e divulgação. Os jovens poetas precisam, conseqüentemente, estar atentos aos perigos da mistificação estagnadora da arte, para que possam resguardar o processo de nossa poesia de todas as possíveis modalidades de dopagem.

'Infelizmente, assistimos hoje a um verdadeiro retrocesso da vanguarda. Os sonhados intelectuais de sólida formação cultural, dominadores de línguas e capazes de criar uma poesia nacional exportável, foram substituídos por hordas de jovens e incultos poetas, contraculturais, que enxameiam os sites e blogs da internet, macaqueando os instrumentos mais vulgares e desgastados que lhes deixaram os vanguardistas anteriores, ou seja, o trocadilho e a palavra-puxa-palavra, sem falar na falta absoluta de conteúdo ou substância de suas 'criações'. Escrevendo hoje, Affonso Ávila teria diante de si a negativa absoluta do quadro que tanto o inspirou nos idos de 1967-68.

Ivo Barroso é poeta, ensaísta e tradutor; publicou, entre outros, A Caça Virtual e Outros Poemas e Poesia Completa de Rimbaud

O Poeta e a Consciência Crítica
Affonso Ávila
Perspectiva
216 págs., R$ 35
FONTE: O Estado de São Paulo - São Paulo,SP,Brazil




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