segunda-feira, maio 12, 2008

Tudo é em função do fim e do sentido das coisas - Rui Monteiro Leite

colunistas
ARTE CONTEMPORÂNEA (5)
Tudo é em função do fim e do sentido das coisas

Por Rui Monteiro Leite

No presente voltámos a uma espécie de teleologia pré-socrática em que tudo é em função do fim e do sentido das coisas, e não um mero jogo casuístico de A causa B, logo B é efeito de A.

Estamos perante o adágio de Raymond Abellio: “o relâmpago não acontece quando as nuvens se encontram, é para que o relâmpago aconteça que as nuvens se encontram”. Deixa de haver acaso, tudo tem um sentido.
Existem três revoluções que marcam o fim da Idade Moderna e o início da Idade Contemporânea: uma científico-epistemológica, outra fenoménico-filosófica, e ainda outra estético-artística.

Todas se consubstanciam, concentram, e desenvolvem à volta de duas questões fundamentais da pós-modernidade: o real e a autonomia das linguagens. È sobre isto que temos falado nas crónicas anteriores.

A ciência contemporânea por intermédio das novas matemáticas e da física quântica vai, não apenas, relativizar o real, como anular a observação da realidade empírica enquanto base para o seu desenvolvimento.

A observação e a experimentação deixam de ser dados de valor gnoseológico para a consideração dessa nova realidade. O arquétipo do modelo epistémico passa a ser um modelo teórico baseado na linguagem matemática e na sua total autonomia. Quer dizer, a ciência vai fundamentar e realizar uma matematização do real.

O mesmo, ou algo similar, vai acontecer para as outras revoluções e para os seus níveis conceptuais. Tanto na filosofia com a sua linguagem lógico-simbólico-discursiva, quanto na arte para a sua linguagem estético-simbólico-vanguardista.

As consequências desta viragem são imensas. Por exemplo, para o caso da Lei de Gravitação Universal, não é o mundo que contêm a Lei de Newton, é aquela expressão matemática que fundamenta e estrutura o mundo. Não é o universo que tem a lei, é a lei que o é.

Houve quem afirmasse que acreditava em Deus porque existia o binómio de Newton. Tudo se passa como se Platão e Pitágoras tivessem razão; os números e as suas relações são seres divinos que fundamentam a estrutura ontológica do real.

As consequências continuam. Desde logo, numa temática e num filosofema que foi central no desenvolvimento de toda a modernidade: a questão da causalidade. A relação causa-efeito linear que presidiu a todo o racionalismo moderno está completamente posta em causa.

No presente voltámos a uma espécie de teleologia pré-socrática em que tudo é em função do fim e do sentido das coisas, e não um mero jogo casuístico de A causa B, logo B é efeito de A. Estamos perante o adágio de Raymond Abellio: “o relâmpago não acontece quando as nuvens se encontram, é para que o relâmpago aconteça que as nuvens se encontram”. Deixa de haver acaso, tudo tem um sentido.

De todo em todo, o mundo e a noção vulgar das relações causais onde nos movemos, situamos e gerimos estão, neste momento, completamente pulverizados.

Ora, o projecto fenomenológico enquanto nova forma de filosofia e metodologia, fundado por Edmund Husserl, passa também por aqui, ou melhor, para o que no pôr em causa a causalidade levanta e suscita, remete e aponta, tal qual símbolo.

Desde logo, todo o projecto husserliano aconselhava uma coisa simples: “o ir para as próprias coisas”. Toda a Fenomenologia primeva segue a máxima de “voltar às coisas mesmas”, a qual implica uma das prescrições fundamentais da metodologia fenomenológica: o desmantelar do real enquanto absoluto e a despsicologização que consiste em tomar os objectos por si mesmos, tal como surgem à consciência, e integrá-los na trama de sentido de onde emergem, devolvendo-lhes, deste modo a sua plena significação.

Toda a realidade é fenómeno e a sua estrutura é fenoménica. Ora, para Husserl, o fenómeno é simplesmente aquilo que se oferece ao “olhar”, à “observação pura”. A Fenomenologia consiste, precisamente, na descrição dessas vivências e no conhecimento oriundo desse “olhar”. Heidegger fala do fenómeno enquanto “aquilo que surge”, “tal qual surge”.

De qualquer modo, estamos sempre no campo de um “olhar” verdadeiramente original, crítico e desvelador-velador de sentido que remete sempre para uma intencionalidade da consciência.Por isso, os grandes autores da fenomenologia desde Martin Heidegger, passando por Paul Ricoeur, ou Eduardo Lourenço vão dedicar grande parte da sua obra às questões da Arte, e em especial da Arte Contemporânea, não como tentativa para fundamentarem uma nova Estética, mas enquanto campo previligiado e felicíssimo para a revelação de uma nova realidade, deslumbrante e plácita.

Schopenhauer falava no mundo como vontade e representação. Afinal, vivemos numa espécie de mundo búdico que já só é consciência, e a representação que dele fazemos já só intencionalidade de conhecimento que pretende uma ultrapassagem dialéctica para a sabedoria.

Rui Monteiro Leite, Barreiro, 10 de Maio de 2008
FONTE: Rostos - Barreiro,Portugal
http://www.rostos.pt/

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