quarta-feira, abril 16, 2008

Ferreira Gullar Conta Tudo!!!


Ferreira Gullar
Ferreira Gullar Conta Tudo!!!

Em entrevista exclusiva, o poeta Ferreira Gullar fala de um montão de coisas ao poeta e crítico literário
Weydson Barros Leal. Veja alguns tópicos, quentissimos:

a) - ".......No processo do movimento concretista, eu, que sempre fui uma pessoa muito crítica — e autocrítica — percebi que aquilo, que se justificava pelo momento histórico, tinha-se esgotado, e que caminhar na mesma direção seria destruir a poesia mesmo.

b) Eu digo isso por mim, basta você ver o que escrevi depois... Se ainda estivesse naquilo, como o "coitado" do Augusto — que é bom poeta, (e digo apenas o Augusto porque o Haroldo não é poeta — então tanto faz que ele tenha ficado naquilo como não, porque como ele não é poeta mesmo então nada se perdeu, assim como o Décio que também não é).

c) ........eu teria ficado como ele, (Augusto) que depois dos poemas que escreveu antes do movimento concretista — muito bons — virou esse poeta aí, que fica fazendo tradução, fica falando pela voz dos outros, quando ele era um poeta que poderia ter construído uma obra muito importante. Ficou castrado. E eu acho que o Haroldo é o principal responsável pela castração do irmão.

d) "Não existe o exercício da crítica literária porque não há lugar onde exercê-la. Antigamente a gente tinha o rodapé de crítica, tinha o Álvaro Lins que semanalmente escrevia sobre o último romance publicado pelo Graciliano, ou o último livro de Contos do Breno Acioly, ou o último livro de poemas do Jorge Lima. Isso sempre estava lá. Mas os jornais acabaram com a crítica literária como acabaram com a crítica de teatro."

e) E mais e muito mais! Verdadeira aula de poesia, leia e comente. Matéria de maior importância para entender a literatura brasileira dos últimos 50 anos!


Esta entrevista foi publicada originariamente no Diário Oficial de Pernambuco que mantém, por conta de muito idalismo do poeta Mário Hélio, um excelente suplemento literário, de circulação mensal. Ei-la, na íntegra:
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Ferreira Gullar nasceu eu em São Luís do Maranhão aos dez dias do mês de novembro do ano de mil novecentos e trinta.
Foi batizado como José Ribamar Ferreira, mas por ter-lhe sido atribuída, quando ainda muito jovem, a autoria de poemas de péssimo gosto escritos por um certo José Ribamar Pereira, resolveu adaptar o sobrenome de sua mãe - Goulart - e criar um novo nome, inconfundível.
Até os 21anos, quando mudou-se definitivamente de São Luís para o Rio de janeiro, foi locutor de rádio, editor de revistas literárias e desenvolveu sua cultura poética com leituras sistemáticas de poetas brasileiros e estrangeiros. Autodidata no aprendizado do francês, foi em visitas à Biblioteca Pública de sua cidade, à maneira de Rimbaud, que passou a compreender a poesia moderna e deu os primeiros passos no estudo da Arte.
Aos dezenove anos foi premiado em um concurso de poesias promovido pelo jornal de Letras e já publicara Um pouco acima do chão (l949), coletânea de poemas com ressonâncias de suas leituras de adolescência, mas que prenunciava o poeta de A Luta Corporal (l954).
A ida para o Rio de janeiro foi para ele a única maneira de avançar sobre os espaços não mais possíveis de encontrar em sua terra natal: "Primeiramente, fugi. Fugi da quitanda, fugi da família, da vida sufocante e pouca. Fugi pela poesia, inventei um mundo feérico e feroz. Um suicídio esplendente: ateei fogo ao verbo, minhas vestes mortais, como se fosse meu corpo. Não era. E sobrevivi, sobrevivi, sobrevivi. Abati a poesia, calquei-a sob os pés, mijei nela. Lavei as mãos, vi-me concretista, neoconcretista, enterrei o poema numa casa da Gávea. E sepultei com ele a metafísica".
No Rio de janeiro, colaborou em jornais e revistas como poeta e principalmente como crítico de arte, sendo com estes os seus primeiros contatos intelectuais. A partir d’A Luta Corporal fez parte do movimento concretista com o qual rompeu para, em 1959, teorizar e liderar o movimento neoconcretista. Em 1961, considerando o novo movimento esgotado, dedicou-se à cultura popular, fazendo parte do CPC da UNE, do qual foi presidente até o golpe militar de 1964.
Mas, a partir de 1962, seus textos já refletiam a preocupação em denunciar e combater a opressão e as injustiças sociais. Reelabora então sua experiência poética com textos de cordel até chegar aos poemas de Dentro da Noite Veloz, de 1975. Em 1964 publica o ensaio Cultura Posta em Questão, em que aborda temas de cultura popular, artes plásticas e poesia, e em 1969 reaparece com Vanguarda e Subdesenvolvimento, onde teoriza novos conceitos para uma vanguarda estética.
No teatro, Ferreira Gullar escreveu , em parceria com escritores amigos, peças que também abordavam a situação social do povo brasileiro: Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come (l966), com Oduvaldo Viária Filho; A saída? Onde fica a saída? (l967), com Armando Costa e A.C. Fontoura; e Dr. Getúlio, sua vida e sua glória (l968), com Dias Gomes. Em 1979 editou a peça Um rubi no umbigo.
Exilado do Brasil em 1971, Escreveu em Buenos Aires, em 1975, o livro que marcaria toda sua obra, Poema Sujo, publicado em 1976. De volta ao Brasil, publica Antologia Poética e Uma Luz do Chão, em 1978, e Na Vertigem do Dia, um novo livro de poemas. Em 1986, lança Crime na Flora, reflexões escritas ao longo dos últimos trinta anos, e em 1989 publica Indagações de hoje e A estranha Vida Banal. O seu último livro de poemas é Barulhos, de 1987.
Hoje, o poeta Ferreira Gullar divide seu tempo entre poemas, análises e reflexões sobre artes plásticas escolhendo escrever rigorosamente sobre o que lhe apaixona; em aparições — quando convocado, no plenário do Conselho Federal de Cultura (órgão fictício na gestão do atual governo) e como consultor e redator da Rede Globo de Televisão realizando textos e adaptações para mini-séries e especiais. Até o início de 1995 foi presidente do IBAC (Instituto Brasileiro de Arte e Cultura), de onde saiu, por conspirações astrais, com larga cobertura da imprensa.
Esta entrevista foi realizada nos últimos dias do mês de novembro de 1995, na casa do poeta, no Rio de janeiro. No primeiro dia de anotações e gravações conversamos cerca de quatro horas ininterruptas, numa das salas de seu apartamento, em Copacabana, cercados por livros de poesia, filosofia, artes, por desenhos e pinturas de artistas amigos (e do próprio poeta) e, no final, na silenciosa companhia de seu gato.
Devido a trabalhos de instalação e ampliação de uma nova rede de cabos telefônicos e de televisão realizados em toda área do bairro, grande parte da entrevista se deu, mesmo a janelas cerradas, com o ruído intermitente de britadeiras dois andares abaixo da janela onde estávamos. Este fato, entretanto, não alterou a delicada atenção com que o poeta, às vezes deitado em seu sofá, sempre respondeu a todas as minhas perguntas. Não houve, antes ou durante a entrevista, restrições a assuntos ou a aprofundamentos em temas que pudessem ser considerados incômodos ou indelicados. Todas as questões, pronta e satisfatoriamente respondidas, refletem o poeta ousado, o homem irreverente e o pensador polêmico que resumem toda a experiência histórica do poeta Ferreira Gullar. Um homem simples, afável, de firme personalidade, mas que não perde, em nenhum momento, a oportunidade do humor ou o halo da delicadeza em seus gestos e palavras. Um poeta como poucos no resumo da melhor poesia brasileira. Um poeta referencial na história recente da poesia moderna da América Latina e do mundo. Um poeta-maior para os olhos que sobre o século vinte buscarem arem uma obra de força, de esperança e de vida.

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Weydson — Há uma geração de poetas, posterior à sua, para quem os referenciais literários são completamente diversos dos chamados "luminares" da poesia moderna brasileira. Fale um pouco sobre isso.

Gullar — Na verdade, é uma geração que absorveu uma certa desordem e deu a ela uma ordem que é diferente da nossa. Para eles, Quintana, por exemplo, tem uma importância muito maior do que Drummond e outros que foram os orientadores, os "luminares" da nossa geração. O Quintana tem mesmo algo muito pessoal, é um poeta muito interativo, que tem muito humor, ele é diferente... E é por isso que eu também acho importante abrir a discussão, torná-la um pouco mais aberta a coisas diferentes da gente.

Weydson — E qual, então, seria a importância de Mário Quintana dentro do contexto da poesia moderna brasileira?

Gullar — Bem, como se sabe, eu sou de São Luiz do Maranhão, e quando eu li Quintana pela primeira vez eu era bem garoto - numa antologia que caiu na minha mão e tinha alguns poemas dele, eu decorei alguns. Foi um poeta que me chamou a atenção, embora eu não tenha muitas afinidades diretas com ele. Mas uma coisa eu combato, e que é um problema que continuamos a ter na literatura brasileira: a tendência ao exclusivismo. De repente, o único romancista é o Graciliano Ramos, aí os outros desaparecem: então o José Lins "não tem importância nenhuma", nem o Jorge Amado, nem o Schmidt, nem o Ciro dos Anjos...

Weydson — Seria a tendência à moda, no Brasil?

Gullar — É... Uma época é Drummond, e desaparece todo mundo em volta; aí é João Cabral, e desaparece todo mundo em volta. Essa coisa é que é empobrecedora da literatura. Em outros países isso não existe; é uma coisa muito brasileira... Na verdade, cada poeta é um meta, não tem esse negócio de hierarquia. Há coisas que o Quintana diz que só o Quintana diz; há coisas que o João Cabral diz que só o João diz; o que o Drummond diz só ele diz, compreende? É claro que existem poetas que têm mais complexidade, que têm mais riqueza, mas você não pode medir por isso, porque assim você termina empobrecendo a literatura, estabelecendo hierarquia e desconhecendo o valor real da criação literária.

Weydson — Numa entrevista recente, você disse que escreve esporadicamente, e só quando tem "algo novo a dizer". Você acha que o que difere o bom poeta dos demais é esse discernimento na hora de escrever?

Gullar — Sim, claro. Eu não estou querendo estabelecer um "democratismo" que inclui tudo. Mas eu acho que de um determinado patamar em diante todos são poetas, quer dizer, quando você chega no patamar de Vinicius, Jorge de Lima Murilo Mendes, Drummond, todos são poetas... Eu me lembro quando comecei a ler Murilo Mendes — eu era garoto em São Luiz — Mundo Enigma, Poesia Liberdade, eu achei aquilo tudo deslumbrante. Eu deitava na minha rede, à tarde, e punha do lado uma pilha de livros. Todos os dias eu lia Manuel Bandeira, Drummond, Murilo Mendes, Jorge de Lima. Eu adorava todos eles. Eu não estabelecia aquela coisa de que um era melhor de que o outro. Quando eu lia Bandeira, eu gostava daquela emoção contida, pura; depois eu pegava o maluco do Murilo Mendes e lia aquelas coisas: "as nuvens jogam boxe"..., depois ia para Drummond, aquele troço mais denso... Eu sempre procurei passar pros jovens, depois, quando eu já estava mais experimentado, essa idéia da pluralidade, sempre a idéia da pluralidade.

Weydson — E nessa época de S. Luiz, ainda dentro dessa idéia da pluralidade, você chegou também a conhecer poetas estrangeiros?

Gullar — Sim, claro. Alguns eu já havia tido oportunidade de conhecer. Foi aí que eu comecei a aprender francês por minha conta. Pegava umas traduções. Um dia um amigo me mandou as Elegias de Duíno, e eu adorei o Rilke. Agradeci com uma carta entusiasmada dizendo "que poeta maravilhoso", daí eu saía atrás de outros livros desse poeta. E assim, nessa procura, eu fui conhecendo Valéry, Rimbaud, Mallarmé.

Weydson — Que poeta, ou poetas, você recorda de ter, nessa época, mexido realmente com você?

Gullar — Na verdade, não foi um ou dois. Alguns poetas me revelaram o que era a poesia. Porque o fundamental é saber "o que é a poesia". Você nunca chegará a Teresina se não souber pra que lado fica Teresina. Eu não digo que a poesia seja uma coisa definível, mas você tem de saber o que é isto: "aonde eu quero chegar"; ou seja, esse "aonde eu quero chegar" tem de existir. Eu me lembro quando li Fernando Pessoa, Drummond, Valéry, e alguns versos me marcaram ao me mostrar o que era a poesia, como quando Valéry dizia: "Beau Ciel, vrai ciel, regardez-moi, qui change". Isso não é apenas uma idéia, mas a sua colocação diante da realidade...

Weydson — Este é um poeta que me interessa, nesse momento, por me parecer extremamente cerebral, de uma poesia muito elaborada, até certo ponto contida. Em que momentos a sua poesia sé aproxima da dele?

Gullar - Ele é cerebral mas também existe uma lenda em tomo de Valéry. O poema "Le Cimetíère Marin" (0 Cemitério Marinho), por exemplo é um poema altamente comovido. Veja bem, uma coisa é a elaboração, é a atitude do poeta em relação à poesia e aos seus meios de expressão, que em alguns é mais cerebral, mais racionalizado, mas, seja de quem for, se ele não se comove não existe poesia. Porque a única coisa que a poesia faz é comover. A poesia não cura dor de dente, não resolve problema econômico, não desintegra o átomo, não serve para nada. A única coisa que ela faz é comover. Porque não há um conhecimento, algo que se ganhe através da poesia, o que ela faz é nos comover. É uma mentira que nos comove. Afinal, a realidade do mundo é insuportável. Por isso se faz poesia, se faz arte, se faz música, etc.

Weydson — Então a poesia, como a arte em geral, é uma forma de fugir da realidade?

Gullar — Eu não diria que é uma forma de fuga, porque ao mesmo tempo ela procura tomar a vida possível. Ela não quer sair da vida. O homem não faz poesia para sair da vida, ele faz poesia para ter coragem de viver. Além disso, há o fato de que o homem nasce pra morrer. Então, nada tem sentido. E por isso a religião existe, porque ela é a resposta para isso, porque ninguém agüenta...

Weydson — Você tem religião?

Gullar — Não, infelizmente.

Weydson — Por que "infelizmente" ?

Gullar — Porque é bom ter religião. A religião é que alivia você desse pesadelo de que o cara nasce pra morrer. Entremente, você ama, faz poesia, se diverte, faz o que quiser. Agora, numa certa altura da sua vida, quando você leva uma porção de cacetadas é que a morte passa a existir - porque no começo a morte é apenas ficção: você sabe que se morre, mas você não pensa que você vai morrer — mas no momento que ela passa a existir, no momento que morre seu filho, aí é verdade... Na hora que morre o seu amigo querido, aquele que lutou com você, que era seu companheiro (ou sua companheira) e que não existe mais, aí...

Weydson — Apesar de dizer que a morte era um ficção, em toda sua vida — pela própria condição de intelectual contestador, poeta, pensador, em épocas de ditaduras e regimes totalitários — você esteve sempre no limite do risco de morte, ou muito próximo desse limite...

Gullar — A morte é um tema permanente em minha poesia, e eu sempre achei insuportável ter que morrer. A minha poesia está cheia disso, dessa luta com a morte. Mas, hoje, olhando bem, eu vejo que aquilo era brincadeira. Porque eu nunca tinha sentido de fato a morte, eu nunca a tinha palpado.

Weydson - É mais fácil, então, escrever sobre a morte quando não a sentimos tão próxima?

Gullar — Até o amigo, ela ainda é suportável; o negócio é quando você perde um filho... Porque no fundo, esse é o processo da própria vida. E talvez o homem seja constituído de maneira a não conhecer a realidade toda de uma vez, porque, assim, acho que ele não agüentava...

Weydson — Isto quer dizer que o conhecimento da "verdade" seria insuportável?

Gullar - Mas a verdade absoluta não existe...

Weydson — Então como funciona, a seu ver, o processo da criação de tudo?

Gullar — Eu sou uma pessoa perplexa diante do absurdo da existência. Quando eu ouço na televisão que todo o sistema solar é algo em torno de O,2% da massa do sol e que o sol é uma migalha no que se conhece do universo, é uma loucura... (risos) Então o que é meu gatinho (mostrando o seu gato no tapete) dentro disso tudo? Essa idéia de que houve um tempo em que era o Nada é um absurdo, não é possível imaginar que algum dia era Nada... mas é fascinante imaginar que cada um de nós faça parte dessa coisa extraordinária que é o universo.

Weydson — No início de sua vida literária, a forma fixa era algo que você dominava e utilizava com freqüência. Em que momento você percebeu que o verso livre era o seu verdadeiro meio de expressão?

Gullar — Eu tinha, de fato, um grande domínio das formas clássicas, como o soneto, e toda a métrica e rima, que eu aprendi e exercitava sozinho. A tal ponto, que eu falava em decassílabo. Porque isso é uma coisa que você assimila, e, quando eu percebia, estava falando realmente em decassílabo. Quando eu descobri a poesia moderna, quando chegaram seus principais sinais nos suplementos literários em São Luiz, eu fiquei espantado, nos primeiros momentos. E minha primeira reação foi rejeitar aquilo. Eu achei estranho aquele negócio de "lua simétrica", de Drummond, e dizia: "Poxa, que troço esquisito esse!" E não só a adjetivação, mas também o uso das palavras. Palavras banais usadas em poesia... Então eu tratei de buscar explicação para aquilo. E comecei a ir à Biblioteca Municipal e procurei ler livros sobre a poesia moderna. Foi aí que eu descobri O empalbador de passarinhos do Mário de Andrade, Cinzas do Purgatório, do Otto Maria Carpeaux; Álvaro Lins, etc. Fui lendo os críticos modernos e fui entendendo o que era aquilo. E eu vi que aquele "troço" tinha sentido. Que aquilo não era nenhum disparate. Foi exatamente na época que eu havia publicado o meu primeiro livro, Um pouco acima do chão, que é um livro ingênuo, um livro imaturo, mas que já possuía alguma coisa livre. O fundamental é que eu descobri por que havia o verso livre... Eu me lembro que nessa época eu li uma frase que era atribuída a Gauguin, que dizia mais ou menos isso: "Quando eu aprender a pintar com a mão direita, passarei a pintar com a mão esquerda e quando eu aprender a pintar com a mão esquerda, passarei a pintar com os pés". Essa frase teve uma enorme repercussão na minha cabeça porque aí eu vi que a poesia que eu tinha feito até ali era uma poesia de habilidade, do domínio técnico e que a verdadeira arte — que eu acabava de descobrir — tinha de ser a invenção de sua própria técnica. Por isso eu não podia mais me ater a normas prontas, eu tinha de descobrir no processo a forma do poema, e esta é, enfim, a essência do livro A Luta Corporal.

Weydson — Cada poema passaria a ter uma estrutura própria...

Gullar — Bem, cada poema, que nasce de uma experiência, de uma emoção, de uma descoberta, tem que gerar sua própria forma. Então, no fundo isso significava que eu rejeitava os macetes, a habilidade, a própria sabedoria técnica, soluções prontas para serem transferidas de um poema para outro. Mas isso era uma proposta fáustica, uma loucura, ou seja, eu radicalizei a atitude da busca da forma nova de tal maneira. Logo, A Luta Corporal é um livro em que num primeiro momento eu ajusto contas com a poesia clássica e faço uma serie de poemas em que violento suas normas e não uso mais metrificação ou rima, como é o caso dos "poemas portugueses". A partir daí eu começo a buscar uma outra coisa. Agora, o interessante é que quando eu me livrei daquelas formas eu descobri o mundo.

Weydson — Fale um pouco dos poemas portugueses...

Gullar — Quando eu me lembro dos poemas portugueses, a maneira, com que eu os elaborava, eu vejo que só cabia neles o tipo de matéria que era a deles. Eu só via no mundo o que cabia neles, o que cabia na minha técnica, o que sabia na minha linguagem. O que não sabia eu não via. Resultado: quando eu abandonei a antiga linguajem eu vi o mundo só que eu vi o mundo sem explicação. Um mundo inapreensível, que eu não podia formular. Foi aí que eu comecei a buscar, num esforço louco, a minha nova formulação. E para isso eu me apoiei em quem? Eu me apoiei nos poetas que eu acabava de descobrir: em Drummond, em Fernando Pessoa, em Murilo Mendes, em Mallarmé, em Rimbaud, enfim, em tudo que constituía a minha nova cultura poética.

Weydson — Você já deixou claro, em várias oportunidades, uma preocupação permanente com o construir-se do poema, com seu processo de construção, mas parece-me que você também não abdica da sensação — o que veio a ser um dos problemas, a meu ver, do concretismo, com uma perigosa perda da emoção. Você nunca temeu, em nenhum momento, uma diminuição dessa emoção, em nome de um racionalismo exagerado?

Gullar — Eu nunca fiz poesia a partir de poesia. Eu sempre fiz poesia a partir da vida, a partir da experiência. Portanto, quando eu digo "buscar a forma" eu estou dizendo buscar o "modo de expressar" alguma coisa. Por exemplo, quando eu me despi da forma literária clássica — vamos dizer assim, porque na verdade eu me libertei de toda uma literatura, de toda uma "simbolização do mundo", que era aquela linguagem — um dia eu passava na frente de uma janela, à tarde, numa rua de São Luiz, e olhei em cima da mesa umas peras, umas frutas, num prato, naquela sala vazia... O sol forte, queimando São Luiz, e aquelas peras ali... Então, longe da "definição literária", segundo a qual aquilo não tinha nada a ver ou não cabia na literatura (mas, ali, a formulação é a mais imediata possível, é quase descritiva), eu escrevi: "As peras, no prato,/ apodrecem/ O relógio, sobre elas,/ mede a sua morte?" A partir daí o poema vai se desenvolvendo como uma indagação em tomo da própria realidade, de uma coisa que eu acabava de descobrir ali. Logo, nunca é formal, no sentido de que eu esteja atrás da "forma nova", não eu quero descobrir a forma que me permita dizer a vida, que possa dizer a minha experiência vivida. Mas não a forma por si mesma, porque isto não existe, isto conduz ao concretismo, ao formalismo e ao desgaste da arte contemporânea — a forma pela forma, o novo pelo novo, simplesmente.

Weydson — O concretismo fez parte desse desgaste?

Gullar — O concretismo é uma bobagem, como disse Drummond. Eu participei da experiência concretista no seu começo, e era uma tentativa de se responder a um impasse ao qual a Geração de 45 tinha conduzido a poesia brasileira. Porque a poesia moderna brasileira que nasce em 22, que ganha uma formulação nova a partir de 30 — com os poetas de 22 e os novos poetas que aparecem (ou que na verdade amadurecem) como Drummond, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Murilo Mendes, Jorge de Lima e a Geração de 45. Porque a geração de 45 rejeita o expontaneísmo que vem de 22 e ao mesmo tempo rejeita a formulação amadurecida que a geração de Drummond, Murilo Mendes e Jorge de Lima tinha dado à poesia. Isto porque eles já encontram uma poesia pronta, de alto nível e por isso eles resolveram radicalizar na forma. Eu me lembro que se dizia nessa época que a poesia era um exercício profissional, era uma coisa que tinha de ser realizada com lucidez, que o domínio técnico era fundamental, que os poetas parnasianos tinham o seu valor — exatamente o que foi negado por 22. Então, com a revalorização do formalismo, o soneto renasce e o formalismo que está em João Cabral. Só que, como o João Cabral é um grande poeta, nunca deixou que essa formalidade sufocasse nele a criatividade, a emoção, a coisa de vida que ele quer comunicar. Mas outros foram vítimas desse formalismo. Ora, mas aí João Cabral toma a situação pior para nossa geração. Porque aí, quando nós chegamos, não só já tinha o Drummond e os outros, como tinha um cara que chegou e formulou rigorosamente, de uma outra maneira, aquela poesia, dando um nível formal que os caras anteriores não tinham dado. Então é por isso que eu digo que a poesia concreta, embora tenha surgido como a negação da Geração de 45, ela é, na verdade, o prosseguimento dessa geração. A poesia concreta é o formalismo da Geração de 45 levado às suas últimas conseqüências.

Weydson — E a esgota?

Gullar — Não... O problema é que essas "últimas conseqüências" são desastrosas. Porque o João Cabral já tinha levado às últimas conseqüências. E a partir dali era a negação da própria poesia... Embora o pessoal de São Paulo queira encobrir ou rescrever a história, eu, como um dos principais formuladores desse movimento, digo que idéia fundamental, a idéia mais sinistra — digo isso me culpando — é minha. Porque a proposta deles, no começo, 1952, 53, 54, era fazer o novo verso, e eu entrei com uma idéia radical, subversiva, advinda da Luta Corporal, dizendo: "Não se trata de fazer o novo verso, trata-se de acabar com a sintaxe. Trata-se de acabar com o discurso, Porque eu tinha acabado de fazer A Luta Corporal, e no "Roseiral" eu tinha arrebentado o discurso, logo, para mim, a experiência poética tinha sido levada às últimas conseqüências mesmo. E já tinha acabado. Então eu falei: "Trata-se de fazer uma poesia sem discurso, porque o discurso, dizia eu, é unidirecional... (E eu até usei essa palavra porque como eu havia sido locutor da rádio Timbira, em São Luiz do Maranhão, lá eu dizia assim: "Estamos transmitindo por uma antena unidirecional de 1490 Khz..." Portanto, essa expressão "unidirecional" era tão minha — porque nenhum deles tinha sido locutor da rádio Timbira... Por isso que eu disse que a linguagem era "unidirecional" — o que, aliás, é um erro, porque a linguagem poética é ambígua, mesmo com o discurso... Mas eles adotaram essa idéia.. Então a Poesia Concreta, que por outro lado também tinha sido influenciada por Waldemar Cordeiro, que era um teórico dos pintores concretistas de São Paulo, e que era uma pessoa de um esquematismo total como teórico — (isso também porque a poesia concreta bebe na pintura concreta, que era muito anterior) — ele influiu na cabeça do Augusto, do Haroldo, etc., então esse sectarismo empobreceu a poesia de tal maneira que eliminou dela a única coisa que justifica a poesia, que é a emoção.

Weydson — A espontaneidade também ?

Gullar — Não me refiro à espontaneidade porque João Cabral não tem espontaneidade nem emoção. Eu mesmo sou um poeta da maior exigência formal no que faço, mas há sempre emoção. Não é a espontaneidade no sentido de ficar fluindo à toa, eu digo "emoção", e seja por que caminho for, se você não chega à emoção você não chega à poesia. O próprio Valéry, um poeta cerebral, ele só é poeta quando atinge, através daquilo, a emoção.

Weydson — Como pensador e formulador do concretismo, o fato de você ter lançado o neo-concretismo foi uma tentativa de não sucumbir com o que já considerava inviável ?

Gullar — No processo do movimento concretista, eu, que sempre fui uma pessoa muito crítica — e autocrítica — percebi que aquilo, que se justificava pelo momento histórico, tinha-se esgotado, e que caminha na mesma direção seria destruir a poesia mesmo. Eu digo isso por mim, basta você ver o que escrevi depois... Se ainda estivesse naquilo, como o "coitado" do Augusto — que é bom poeta, (e digo apenas o Augusto porque o Haroldo não é poeta — então tanto faz que ele tenha ficado naquilo como não, porque como ele não é poeta mesmo então nada se perdeu, assim como o Décio que também não é) eu teria ficado como ele, que depois dos poemas que escreveu antes do movimento concretista — muito bons — virou esse poeta aí, que fica fazendo tradução, fica falando pela voz dos outros, quando ele era um poeta que poderia ter construído uma obra muito importante. Ficou castrado. E eu acho que o Haroldo é o principal responsável pela castração do irmão.

Weydson — Você acha que os críticos dão excessiva importância à sua poesia política ?

Gullar — A fase estritamente política de minha poesia é muito reduzida, e o número de poemas realmente políticos é insignificante. Mas os críticos, de repente começam a me colocar como se eu fosse um poeta político porque, como cidadão, fui realmente muito atuante. Eles confundem a coisa. A mesma coisa é o concretismo na minha poesia. Esse é um período que dura na verdade poucos anos, e as obras que escrevi aí são de quantidade reduzida. E se eu tivesse insistido naquele caminho eu jamais teria escrito o Poema Sujo, Dentro da Noite Veloz, Na Vertigem do Dia, coisa que me gratificam porque eu sei que representam uma experiência de vida e emoção nas pessoas. E eu sei disso porque as pessoas me dão retorno.

Weydson — Fale um pouco sobre experiência do Livro-Poema.

Gullar — Eu acho que foi bastante interessante, bastante inovadora. O poema "0 formigueiro" - que foi editado, é o precursor do que seria o "Livro-Poema". O "Livro-Poema" não é apenas um depósito de poemas. Nele não uso as páginas do livro, o volume do livro, para depositar arbitrariamente 10, 20 ou 30 poemas. A relação entre o poema e as páginas do livro é tal que o livro tem o número de páginas determinado pelo poema, a posição das palavras está determinada pelo que no poema está dito, e até a forma das páginas. Logo, ele é um livro estruturalmente integrado página e palavra, silêncio e voz. E esse livro, que não tinha nem capa, era só livro, era quase "le-livre" de Mallarmé. Essas experiências então deram origem aos poemas espaciais. Porque quando eu fiz esse poema que não tinha mais capa e que era um corpo tridimensional, quase uma escultura com palavras, eu fui para o espaço diretamente e comecei a construir os poemas não objetos de madeiras — cubos com palavras dentro — e outras coisas.

Weydson — Como era a idéia do "poema-enterrado"?

Gullar — O poema-enterrado era o seguinte: é uma sala abaixo do chão, no subsolo. Você desce por uma escada, abre a porta do poema, e entra no poema. É um cubo de 2 metros por 2 metros: uma sala que foi construída no quintal do Oiticica. (Eles iam construir uma caixa d'água, mas aí ele insistiu que tínhamos que construir o poema, e o pai dele, também pirado, construiu), Era quase como um túmulo. No centro dessa sala tinha um cubo vermelho de meio metro de lado. Então levantava-se o cubo. Embaixo tinha um cubo verde com trinta centímetros de lado. Levantava-se este cubo. Aí sobrava um cubo branco, este, sólido, compacto, de 15 centímetros de lado e pousado no chão. Ao levantar este cubo, sob a face pousada no chão, lia-se a palavra "Rejuvenesça".

Weydson — Existe esta sala ainda?

Gullar — Não. O poema foi inundado. Choveu e inundou o poema... (risos) Eu costumo brincar com isso quando lamento que perdemos o único poema com endereço da literatura brasileira... (risos) Mas eu não faço nada gratuitamente, e a minha poesia toda é um caminho de descobertas que envolve símbolos, palavras, experiências... Então, se o cara for ler o meu livro Crime na Flora, ele verá escrita uma coisa que diz: "Havia um nome sob uma pedra na flora", e daí sucede toda uma história maluca em que o cara tira a pedra e encontra formigas embaixo, etc... Isto é a idéia de que o nome das coisas está debaixo das coisas. Até lá no mato, na flora, lá onde não se chega, lá naquela solidão, está pulsando o nome das coisas embaixo das coisas... Então, essa idéia de botar esse cubo no chão com um nome e depois o poema (Cubo) lembrar que aquela palavra está pulsando embaixo, eu fiz nessa poesia neo-concreta, essa nova poesia, e isso tem a ver com as minhas fantasias, com a minha vida. Não é uma coisa assim: - "Vou inventar uma forma esquisita que ninguém conheça", não é, é tudo uma tentativa de criar formas capazes de expressar a minha experiência. Por isso eu tenho respeito pelo trabalho que eu fiz ali, os poemas neo-concretos, etc. E eu tenho tanto respeito por eles que quando eu vi que aquilo estava esgotado e que a partir dali iria ser a mera repetição, a habilidade, o exercício da habilidade, eu parei. E fiquei numa situação, cara, de um mato-sem-cachorro" (risos)... Porque eu já tinha destruído a minha poesia toda, tinha transformado naquilo, e de repente ter a coragem de dizer que aquilo tinha cessado, que era um caminho terminado, e que eu não ia continuar naquele mundo, eu entrei em parafuso mais uma vez. Porque tem que ter coragem pra fazer essas coisas...

Weydson — E coragem pra encontrar um outro caminho...

Gullar — E eu fiquei sem caminho! Tanto que eu passei a fazer poemas de cordel. Quer dizer, depois de descer dessas alturas, da mais alta sofisticação — porque nunca, em literatura alguma, se fez poemas espaciais como esses que eu fiz (poema enterrado, com o cara entrando dentro do poema, não existe em literatura alguma) então, do máximo de audácia e sofisticação, o "cara" desce daí e vai fazer "João Boa-Morte Cabra marcado para morrer" e falar como cantador de feira? (risos). Na época "nego" me esculhambou, os críticos literários falavam: "Esse cara é um maluco, um pirado, abandonou a poesia para fazer besteira, porque agora está político, virou comunista". Eu fui execrado pelos intelectuais como o cara que estava menosprezando a literatura.

Weydson — E hoje, você acha que abandonar a poesia culta, intelectual, e passar a escrever cordel, configura um decréscimo, uma queda? Como você vê o cordel no universo da poesia?

Gullar — Do ponto de vista da elaboração literária, é evidente que há uma perda. Porque eu não sou um cantador de feira, eu sou uma homem sofisticado, um poeta que conhece literatura de tudo que é tipo, poemas em todas as línguas, de tudo quanto é época, logo, um homem sofisticado... E depois de ter passado por toda essa experiência da poesia clássica, parnasiana, simbolista, moderna, desde o começo, de toda elaboração, e de repente voltar a fazer poesia como um cantador? Porque o que caracteriza o cordel como toda arte popular, é que eles são feitos de estereótipos. Quer dizer, existe uma cultura e uma criatividade que são próprias daquilo, mas que se apoia na repetição de uma série de fórmulas, que era exatamente o que eu não queria. De fato, o poeta popular tem muito a ver com o novelista de televisão, porque o cordel não é folclore, não é "arte do povo", arte do povo é diferente, arte do povo é anônima (ninguém sabe quem criou "ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar"). Quer dizer, ninguém sabe quem fez isso aí, quem inventou que D. Sebastião está no fundo do mar lá em São Luiz, ou na praia dos Lençóis, isso não tem autor, isso é "literatura do povo". Agora, arte popular é outra coisa, é uma coisa urbana, o cara já imprime, já divulga, já vende, tem autor. E a característica que ela tem que a aproxima da música popular e da novela de televisão é a repetição de formas e fórmulas. E o que é literatura no sentido erudito, no sentido da criatividade? É exatamente a busca sempre de uma elaboração mais sofisticada e que corresponde a descobertas e manifestações da experiência do autor. Ele não está ali nem para se repetir, nem para repetir os outros. Ele tem um padrão, que ele não inventou, porque é da cultura literária, e a partir dali ele cria uma coisa própria dele, ele re-elabora. O cordel não permite essa re-elaboração, não quer, não faz parte dele. Mas eu, quando desci daquelas "alturas" e comecei a fazer cordel, não foi por bravura, mas porque eu não tinha pra onde ir, e porque, ideologicamente, eu havia rompido com a literatura e queria fazer a Revolução. A partir dali — eu tenho consciência — eu passei a usar a literatura para fazer a revolução, não para fazer literatura. Eu tenho consciência que quando escrevi "João Boa-Morte", "Quem matou Aparecida", eu estava usando esses cordéis todos para meter idéias "subversivas" na cabeça das pessoas. Era pra isso! Eu não estava querendo entrar para a Academia. Aliás, nunca quis. E muito menos naquele momento. Eu não queria entrar pra nenhuma antologia para mais tarde os estudiosos irem fazer uma exegese, não! Aquilo ali devia estar fora da minha obra literária, e eu só incluo aquilo porque não cabe a mim distinguir entre a minha história e a minha obra. Mas do ponto de vista da qualidade, aquilo ali é uma ruptura, é uma coisa que eu tive de viver para dar um salto adiante, mas na verdade eu não pretendo que aquilo tenha uma qualidade literária ao nível das outras coisas.

Weydson — Sempre que você fala "Academia" eu sinto algo distante, ironicamente distante. Você nunca pretendeu, ou não pretende, entrar pra Academia ?

Gullar — Eu acho que Academia e Poesia são incompatíveis. Eu não tenho nada contra as Academias, mas acho realmente que a cultura tende a se institucionalizar. É um absurdo imaginar a cultura como mera manifestação individual ou sempre marginal. Isto não tem saída. Pelo próprio processo da sociedade a tendência da cultura é se institucionalizar e nisso não há só perdas, há ganhos. Isto é uma coisa. Agora, eu, pessoalmente, com o meu temperamento, e com a minha maneira de ver a poesia, eu me sentiria mal, seria como se eu estivesse me traindo.

Weydson — O que aconteceu entre Josué Montello e Antônio Houaiss, pela sucessão da presidência lhe incomoda?

Gullar — Não, porque eu acho que aquilo é próprio da Academia. Nada mais natural, na Academia, do que isso. Porque, afinal, se trata de uma entidade onde está se disputando o poder. É um aparato social que como todo aparato social tem lá suas coisas.

Weydson — Mas como você vê isso numa Academia de Letras?

Gullar — O que eu acho é que a Academia é uma instituição anacrônica. Primeiro o cara se vestir de fardão e espada, cara, da Academia tem minhas amigas, pessoas que eu admiro como grandes escritores. Tem muitos, dentro da Academia, de modo que essa minha crítica não vai em detrimento deles. Agora, que a Academia é anacrônica, é. Não serve pra nada. Para que serve a Academia? A Academia não tem função alguma. É uma instituição meramente consagratória. Mas aí ela peca. Porque ela consagra, muitas vezes, quem não tem razão de ser consagrado.

Weydson — Mas qual a diferença entre a Academia e o Conselho Federal de Cultura, do qual você faz parte ?

Gullar — O "Conselho" é outra inutilidade. Veja vem, o Conselho não "aconselha"! Pode até aconselhar, mas o ministro não ouve! Então, serve para quê ? Não serve pra nada.

Weydson — Mas isso não depende de que o Ministro esteja à frente do Ministério da Cultura?

Gullar — Não, não depende. Isto é uma outra coisa. Esse ministro aí está desrespeitando as pessoas. Porque o Conselho existe institucionalmente. Dentro da estrutura do Ministério. O Conselho existe e ele não pode desconhecer isso.

Weydson — E o que seria preciso para resolver o problema?

Gullar — O ministro teria que abrir uma discussão com o Conselho para saber que destino dar àquilo. Uma restruturação. De que maneira integrá-lo ao Ministério de modo eficaz. Isso é o que tinha que ser, e não fazer de conta que não existe.

Weydson — E por quê, então, o Conselho é uma "inutilidade"?
Weydson — E por quê, então, o Conselho é uma "inutilidade"?

Gullar - Pelo seguinte: Quando o Conselho foi criado não existia o Ministério da Cultura. O primeiro Conselho criado dentro do Ministério da Educação exercia funções que hoje são do Ministério da Cultura, então, no momento que o gerou o pinto e o pinto saiu do ovo — quer dizer, o Ministério da Cultural saiu do Conselho de Cultura, e nasceu o Ministério, o Conselho deixou de existir; ele é uma "casca", o pinto já está "cantando de galo".

Weydson — Mas ainda assim, o Conselho não seria um fórum mais democrático para gerir a cultura do que um Ministério ?

Gullar — Mas o problema é que no momento em que você cria um Ministério da Cultura e há um Ministro, das duas uma, ou o Ministro dirige o Ministério ou o Conselho.

Weydson — Então você reconhece as razões do Ministro em desconhecer o Conselho?

Gullar — Não, isso é outra coisa. Eu disse pra essa Ministro, quando conversei com ele pela primeira vez, o que pensava do Conselho. Agora, disse também que era necessário discutir com os conselheiros, abrir uma discussão democrática. Mas o que ele está fazendo é desconhecer o Conselho, ele não o reúne — o Houaiss se demitiu. Porque como vice-presidente do Conselho — que é o presidente em exercício — não consegue convocá-lo porque o Ministro não permite. Então, isso é um órgão fantasma, um órgão cuja existência o Ministro não reconhece. Nesse sentido, tem que se reconhecer que é um problema a existência do Conselho de Cultura no Ministério, com as funções que se atribuiu ao Conselho. Os próprios conselheiros já reclamaram disso. Porque na prática, se o Conselho se reúne, vai decidir o quê ?. Sobre a Lei Rouanet? Mas dentro da estrutura do Ministério existe uma coisa chamada "Comitê Assessor da Lei Rouanet", que é quem decide qual projeto deve ser aceito, que destinação vai ter dinheiro, etc. Logo o Conselho de Cultura não tem função. Com isso o Conselho de Cultura vai dar palpite sobre o quê? Sobre tombamento? Mas existe o Patrimônio Histórico que tem essa função. Falar sobre política do Livro? Mas existe a Biblioteca Nacional, que desempenha essa função. Finalmente o Conselho, que se reuniria uma vez por mês, sem conhecirnento sobre o que está acontecendo no ministério, sem os instrumentos na mão — (porque o presidente da Biblioteca Nacional, por exemplo, tem à sua disposição toda a administração do Ministério, a burocracia do Ministério e os recursos do Ministério) — que não sabe quantos funcionários há em determinada área, quais os problemas, quanto se gasta nessa área, vai dar palpite ? Essa idéia de conselho tem de ser discutida no Brasil — sabe por quê? — porque isso aí é democratismo, é uma falsa democracia, é um falso exercício da democracia. Porque na verdade você não pode exercer função efetiva se você não tem conhecimento das condições em que o Ministério trabalha! Como você pode planejar, teorizar, sem o conhecimento da realidade?

Weydson — E qual a saída, em sua opinião?

Gullar — Os Conselhos têm de ser técnicos, como é o Conselho do Patrimônio, que só se reúne quando tem que decidir sobre determinado assunto específico, técnico. Por exemplo: "vamos ou não vamos tombar o Copacabana Palace?" Então, aí o presidente do Patrimônio Histórico não vai arcar sozinho com essa responsabilidade, porque existe o Conselho do Patrimônio Histórico com pessoas que são entendidas naquele assunto, que são especializadas naquilo, e que recebem toda a documentação referente ao processo de tombamento do Copacabana Palace. Estudam, preparam o seu parecer e é marcada uma reunião. Nessa reunião, na base do conhecimento técnico e dos documentos, é que se discute se vai ou não tombar o imóvel. Decidiu: Tomba. Está tombado. E o Conselho só se reunirá de novo quando houver um problema semelhante.

Weydson — O Poema Sujo, pela sua expressão, foi escrito a partir de uma reunião de fragmentos, num longo espaço de tempo, ou foi concebido e escrito apenas entre os meses em que está datado?

Gullar — O Poema Sujo foi escrito durante alguns meses, mas durante esses meses eu só fiz aquilo. No dia em que eu escrevi as primeiras cinco páginas do Poema Sujo, no mesmo dia, eu tinha de escrever uma carta para um amigo (Leandro Konder) que estava em Bonn (respondendo a uma carta que ele havia me mandado) e nessa eu escrevi: "Comecei a escrever um poema que terá cerca de cem páginas e que se chamará Poema Sujo". Eu tinha acabado de escrever as cinco primeiras páginas e sabia que ia ter por volta de cem páginas.

Weydson — Logo no início do poema, você optou por uma variação radical de ritmos e estruturas. Essa variação fazia parte do projeto inicial ?

Gullar — Ele é construído como uma na sinfonia. Tem vários movimentos. Mas eu não sabia como é que eu ia fazer, eu só tinha que ele ia ser um longo poema. Porque tudo o que havia sido movimentado dentro de mim para fazer aquele poema, a matéria que ia dar forma, era volumosa, muito rica. Era minha vida inteira. Então eu sabia que o poema ia ser longo.

Weydson — Partindo de uma experiência culta, erudita, dentro da literatura, como você aceitou ou decisão pela introdução de palavras, expressões comuns ou mesmo chulas dentro do seu universo mítico, dentro do poema?

Gullar — Eu acho que o poema é o lugar onde a linguagem comum vira poesia e talvez essa seja definição de poema para mim. Logo, uma das funções da poesia é transformar palavra chula em palavra poética, introduzir no universo poético toda experiência humana, tenha ela a carga de vida que tiver, a mancha suposta que tiver, seja erótica, doente, hipócrita. Porque tudo cabe dentro da poesia. A poesia é o lugar onde as coisas se transformam. Por isso é que eu digo que é o leitor que dá vida ao poema. Porque cada leitor faz de novo funcionar aquele processo que está ali. Que eu acionei pela primeira vez e que está pronto pra disparar a cada momento. Mas se o "cara" não for ler, aquela palavra vai ficar ali naquele papel como uma mancha preta, sem vida. É algo que ganha vida toda vez que um novo ser humano começa a ler.

Weydson — Fale um pouco mais sobre este processo: como ele funciona pra você?

Gullar — A idéia é de uma "máquina". O poema é um processo de transformação da linguagem. É o local onde este processo se dá. Como uma caldeira, na siderurgia, onde se bota cascalho e vira metal. E o local onde a expressão "filho-da-puta" vira poesia.

Weydson — Você acha que esse processo de transformação seria uma (ou a única) maneira de salvar a poesia numa sociedade capitalista, onde o consumo e a informação imediata são a base de tudo? Que lugar caberá à poesia numa sociedade de sobrevivência, de informatização? Haverá espaço para ela?

Gullar — Há! Claro. E é por isso que eu digo que a única função da poesia é comover as pessoas, e não apenas no sentido de despertar emoções. Porque a poesia lida com o teu lado de vida verdadeiro, com o teu lado de existência: com o amor, com o afeto, com a morte, com a perda. E isso não há computador que resolva. Porque o cara pode estar lá no computador escrevendo, mas se a mulher que ele ama for embora, ele endoida, e vai sofrer da mesma forma que sofria o cara que escrevia com pena de pato. Se a vida do cara não tem alegria, não se preenche, ele sofre, independente da televisão estar botando festa sem parar. Sofre até mais. A poesia é permanente porque lida com o que é permanente no ser humano. Há muita festa na televisão. Hoje, essa multidão que vai ver o Lulu Santos — centenas de pessoas pulando e berrando, parece coisa primitiva, primária. Nem a música que o cara está tocando está sendo ouvida. É só pular e gritar. Isso é para passar o tempo, é uma forma da juventude se enganar, se atordoar, e isso tem muito a ver com os tóxicos também. Não está desligado. Essa música, essa histeria, essa gritaria, é tudo um delírio. É tudo junto. E a verdade é que um garoto que agora tem 17 anos, daqui a pouco terá 37, depois 47, e aí? Então, se o cara não se enriquece com o teatro, com a poesia, com o romance, com a música que dão o que a realidade não dá — e empobrece a arte com banalidades — com essa arte de massa, aí é o fim. Porque a arte de massa é o contrário da arte, é a banalidade. Quando a arte procura criar um mundo permanente, um mundo da fantasia, um outro mundo para o homem, a arte de massa banaliza, e isto é conseqüentemente a banalização do ser humano. Alguns podem dizer: "Ah, esses caras que ficam pensando em emoção são uns babacas, uns velhos". Mas eles vão descobrir mais tarde que a vida está esperando por eles na esquina. E de repente eles se sentem uns bostas que não têm onde se apoiar. E aí vem aquela pergunta de Verlaine: "0 que fizeste da tua juventude?" Eu não estou dizendo que o cara deve ficar encucado, lendo o tempo todo, mas estou dando uma opinião crítica sobre essa ilusão que supõe que a poesia acabou porque um pessoal vive tocando guitarra e pulando. No meio disso, no entanto, tem muito jovem que está noutra. E a cada dia que passa tem mais jovens que estão noutra, por que aquilo é uma minoria. Parece maioria porque se colocam 20 mil pessoas berrando no Maracanãzinho. Mas o que é 20 mil numa cidade de 8 milhões de pessoas? Não é nada. E mesmo que você multiplique isso pela televisão e dê l milhão, continua minoria...

Weydson — Como era a sua relação com o "jovem promissor" José Sarney em São Luiz do Maranhão?

Gullar — Nós somos da mesma idade. O José Sarney era ligado a Bandeira Tribuzi, um poeta do Maranhão, que foi estudar na Europa e quando voltou trouxe as novidades da poesia moderna, da vanguarda. Os dois se tornaram amigos e fundaram uma revista, chamada "A Ilha". Eu e o Lago Burnett criamos uma outra revista que primeiro se chamou "Saci" e depois "Afluente". Eles tinham a coisa que o Tribuzi trouxe, de vanguardista. Nós, não; nós ainda tínhamos uma ligação com o passado, com uma coisa mais parnasiana. Depois tudo se fundiu num movimento só, ficou aquela geração de escritores jovens, abertos para uma transformação do Maranhão e da cultura maranhense. Weydson — Eu sei que até pouco tempo você participava ativamente do carnaval de rua do Rio de janeiro, saindo inclusive à frente da Banda de Ipanema, como um dos mais animados foliões. Você ainda participa do Carnaval de rua?

Gullar — Eu sempre tive muita ligação com a música popular, e quando me casei com a Thereza (minha falecida esposa) ela era uma pessoa ligadíssima em música popular, o que era uma de nossas muitas afinidades. Como ela era carioca, desde que nós nos conhecemos ela se interessava muito pelos desfiles de carnaval. Nessa época — logo que cheguei ao Rio — eu tinha visto apenas um desfile, sozinho, trepado numa caixa de querosene lá na avenida. A partir daí, nós começamos a ir todos os anos. No início era na Avenida Presidente Vargas, em 54, 55, por aí. Depois nós arrastamos pelo nosso itinerário o Vianinha, o Paulo Pontes, o pessoal do CPC (Centro Popular de Cultura) também, e passamos a freqüentar e participar de todos os desfiles. Mais tarde, a Thereza passou até a desfilar no Salgueiro.

Weydson — E você? Gullar — Na verdade, eu nunca quis desfilar. Porque aí não combinava muito com a minha cabeça... Weydson — E na Banda de Ipanema?

Gullar — Mas a banda era um bloco de sujos. Então saíamos em grupo, brincando e tomando cerveja. Mas depois a própria Banda de Ipanema virou uma bagunça e foi de certo modo tomada por um pessoal meio barra-pesada e começou a ser perigoso, porque de repente sumia teu relógio, etc. Por isso eu passei mais a olhar do que participar. Até dois anos atrás eu ainda fui...

Weydson — Você chegou a ter uma amizade próxima com Manuel Bandeira? Como era a sua relação com ele?

Gullar — Eu nunca me aproximei dos grandes poetas da época. Nem do Drummond. No entanto, com quem eu tive uma certa proximidade foi com o Murilo Mendes, mas porque ele era amigo do Mário Pedrosa, e dele eu me aproximei porque ele não era poeta, mas crítico de arte. Porque quando eu cheguei ao Rio eu procurava não os escritores, mas os artistas plásticos e os críticos, e especialmente o Mário Pedrosa. Como ele era muito amigo do Murilo Mendes, me levou à casa dele e eu me tomei amigo do Murilo Mendes. E fui várias vezes à casa dele. Agora, o Bandeira eu conheci porque eu trabalhava no jornal do Brasil e ele era colaborador do jornal. E o Bandeira era uma simpatia de pessoa. Murilo, que também era simpático, delicado, estabelecia uma ligação um pouco distante pelo temperamento dele. Já o Bandeira era uma pessoa afetuosa, e despretensiosa. Ele não tinha essa mística de gênio, imortal, não. Inclusive, na época, incluiu uma referência a mim naquele livro dele que faz um estudo da poesia brasileira e traz uma antologia. Ele incluiu um poema meu na então nova edição do livro em que é feita uma menção à Luta Corporal. E como ele sempre ia levar a colaboração dele no jornal a gente conversava, se encontrava na esquina. Ele sempre muito engraçado, muito irônico... Então nossa relação foi essa, de jornal...

Weydson — E com o João Cabral de Melo Neto?

Gullar — Eu tenho muita simpatia pelo João Cabral. Apesar dessa imagem de poeta cerebral, quando eu o conheci, o jeito dele me lembrava muito o meu pai. Aqueles braços magros, a maneira de falar, era igualzinho ao meu pai. Por isso, também, eu sempre me senti muito à vontade com ele.

Weydson — O fato de ambos, assim como você, serem nordestinos, facilitou a aproximação?

Gullar — Eu acho que esse negócio de sermos todos nordestinos dá uma certa proximidade mesmo. E o fato de o Bandeira também ter o mesmo gênio, o mesmo temperamento — que tem algo de nordestino com a sua simplicidade — contribuiu para essa aproximação. Mas eu sempre fui muito de ficar no meu canto, de não procurar escritores, apesar de com o tempo ter tido muitos amigos escritores.

Weydson — E com o Drummond?

Gullar — O Drummond era uma pessoa mais fechada. Com o tempo também nos conhecemos através de encontros ocasionais, no lançamento de livros dele, em enterros de amigos comuns... Evidentemente ele tinha conhecimento de minha poesia. Quando eu mandava um livro meu para ele, ele às vezes respondia com um bilhete, com um livro oferecido, sendo sempre muito cordial. Mas havia gente que ficava ligando pra ficar conversando no telefone. Como não sou muito de telefonar, nunca mantive esse tipo de relação com ele. No entanto, havia uma relação carinhosa e respeitosa entre nós. Eu o respeitando como um grande poeta, como um mestre, e ele sendo gentil comigo.

Weydson — T. S. Eliot dizia que os poetas, antes de se lançarem em edições individuais, deviam fazer parte de antologias, onde ficariam conhecidos ao lado de outros poetas jovens da mesma geração. Qual a sua opinião sobre as antologias?

Gullar — Eu acho que é uma coisa positiva. A minha posição é de que, já que a poesia tem tão pouca divulgação, qualquer esforço no sentido de divulgar os poetas é positivo. Muitas vezes um livro isolado de determinado poeta não consegue alcançar um público maior, mas quando você o coloca numa antologia, dá uma boa repercussão, e termina alguém lendo um verso dele, tendo uma boa impressão, e aí vai procurar um livro daquele poeta. Acho que sempre é uma coisa positiva.

Weydson — Qual a sua posição quando se discute valor literário entre poesia e letra de música ?

Gullar — Não se trata de que poema é superior à letra de música. Não se trata disso. Ocorre que são gêneros literários diferentes. Todo mundo sabe que quando se faz um poema ele tem de se manter em pé pelo próprio recurso da linguagem verbal. Quando se faz letra de música ela vai se manter de pé juntamente com a melodia a qual ela se destina. Então, às vezes, uma canção que você canta com o maior prazer e que você acha muito bonita, quando você tira a música e lê a letra tem uma decepção. Mas isso pelo fato de que você tirou dali um elemento essencial, descaracterizou, porque a letra da canção está ligada à música da canção. Logo, esse fato marca a diferença entre esses gêneros literários. Um não precisa da música, independe dela, e por isso mesmo a sua elaboração verbal, vocabular, tem de ser muito apurada, muito exigente. Do contrário o poema não se põe de pé. Já a letra da canção, às vezes nem deve ser muito elaborada, se não torna-se difícil a sua inserção na música. Mas é por isso que criticar uma antologia de poemas que não inclua letras de música não está certo. Pode ocorrer, como no caso do Cacaso, que era um compositor e um poeta, que se for feita uma antologia de poetas da geração dele ele tem de ser incluído. Mas isso porque ele tinha livros de poemas publicados, tinha uma atividade de poeta, uma obra de poeta. Mas se ele só tivesse letras de canção então não haveria porquê. É mais ou menos como dizer que vai se fazer uma exposição da gravura brasileira e se incluir desenhos. Não quer dizer que gravura é melhor ou pior que desenho; sucede que desenho não é gravura.

Weydson — Você chegou a fazer alguma letra de música?

Gullar — O que há são poemas meus que foram musicados. Na maioria dos casos é isso. A letra do "Trenzinho Caipira", por exemplo, está no Poema Sujo. Weydson — Inclusive você sugere, para cantá-lo, a música da Bachiana número 2, tocata, de Villa-Lobos...

Gullar - É claro que eu nem estava pensado em fazer aquilo, mas no curso do poema nasceu. Depois o Edu (Edu Lobo) tirou de lá, fez uma arranjo, e graças a isso a música do Villa-Lobos, belíssima, tornou-se popular. Eu tenho poemas que ficaram conhecidos na América Latina toda porque viraram canção popular. E conhecidos por determinados setores da população brasileira porque viraram canção. Do contrário, jamais seriam alcançados por essas pessoas. Por isso, a música tem a capacidade de popularizar e difundir a poesia. Por outro lado, quando você bota letra numa musica dita erudita, como é o caso de "Trenzindo Caipira", ela também se toma popular. Graças a isso, depois que o "Trenzinho" foi gravado pela primeira vez, foi feita até uma versão para crianças, gravada num disco infantil. E outros arranjos foram feitos. Hoje, até em propaganda de inscrição para recruta da Marinha se bota o "Trenzinho Caipira". Porque ele foi difundido.

Weydson — Você já disse que a sua primeira vontade, ou vocação artística, foi ser pintor. Que argumentos fizeram com que a opção pela poesia fosse definitiva?

Gullar — A minha primeira tentativa foi de ser pintor. Mas não era bem uma opção, porque eu passei um bom tempo fazendo as duas coisas. A verdade é que, através da palavra, eu tinha todo um mundo de experiências a comunicar. Quer dizer, eu nasci com a sensibilidade tanto para a literatura como para a pintura. Só que a capacidade de elaboração e realização verbal, literária, em mim, era muito maior do que a outra. Até pelo meu temperamento. Porque o cara ficar trancado dentro de um ateliê, pintando dias e dias, não é a minha, não dá pra mim. Eu sou muito inquieto, não dá.

Weydson — Ou seja, o poeta definitivamente falou mais alto...

Gullar — Mas a pintura continua a ser minha paixão. E eu te digo que às vezes, sob certos aspectos, a pintura me fala mais do que a literatura.

Weydson — Então escrever sobre pintura passou a ser uma das formas de estar muito próximo da arte...

Gullar — Ah, sim! É uma coisa que me dá o maior prazer: escrever sobre pintura. Evidentemente que não é ficar escrevendo à toa, mas quando eu me apaixono pela obra de um pintor ou por um quadro, eu escrevo sobre aquilo como se estivesse escrevendo um poema. É uma coisa que me dá prazer. Porque eu descubro coisas, eu penetro naquele mundo, naquele universo... Agora mesmo eu escrevi um texto para um livro de Siron Franco, que acaba de ser publicado sobre sua pintura, e ele me telefonou entusiasmado,, agradecido, gostando muito. E muitas outras pessoas que leram gostaram muito. Mas isso, como eu digo a essas pessoas, é porque eu escrevi sobre uma coisa que me apaixona: a pintura do Siron. Então é um mergulho, um barato, uma coisa fascinante escrever sobre ele. Eu não escrevo muito, talvez dez páginas, porque eu não quero ficar fazendo discurso à toa. Eu quero ir sucintamente no essencial daquilo.

Weydson — Baudelaire, no ensaio "Salão de 1846", incluído em Curiosítés Esthetiques — coletânea de artigos de crítica de arte — diz acreditar que "a melhor crítica é a que é divertida e poética; não uma crítica fria e algébrica, que a pretexto de tudo explicar, não expressa nem ódio nem amor e se despoja de toda espécie de personalidade", e afirma: "para ser correta, ou seja, para ter sua razão de ser, a crítica deve ser parcial, apaixonada, política"... Acho que isto reflete exatamente o que você está dizendo...

Gullar - É verdade. A paixão no sentido do que te revela o mundo, do que te revela a vida. A literatura, a arte, são mundos fantásticos, são criações extraordinárias do ser humano. O "mundo" que o homem criou com a sua fantasia foi para ele "habitar", porque a natureza é freqüentemente burocrática e assustadora. A natureza é boa quando você está na praia. Mas, na verdade, ela é impenetrável, e o homem só se sente bem no universo humano. Por isso ele criou cultura, arte, cria a linguagem, os significados, até a religião. A religião é uma das mais fantásticas criações do ser humano. Primeiro porque ela é a resposta à Pergunta Fundamental, ao problema do Sentido da Existência. Ela é a resposta, pois a filosofia não tem resposta pra isso.

Weydson — E através da religião, você acha que esta resposta pode ser alcançada?

Gullar - Como eu não sou religioso eu não tenho essa resposta. Mas quem é religioso a tem. E é uma coisa tão poderosa essa fantasia do ser humano criando a religião que gerou obras de arte fantásticas. É só você imaginar todas as catedrais góticas, românicas, barrocas, toda uma arquitetura, toda uma escultura, espalhadas pelo mundo inteiro e criadas pela religião, pela idéia de que existe um Deus. É uma coisa fantástica! E veja bem: se Deus não existe, é mais fantástico ainda! Porque aí é piração total! (risos) Mas isto é o mundo humano, que o ser humano criou em cima da natureza. E ao mesmo tempo um rio cheio de significados. Porque o homem quando ergue uma catedral, a quantidade de elementos simbólicos que potencialmente existem ali nem ele sabe e que depois vai-se nultiplicando e se tornando indecifráveis e se reproduzindo na imaginação de outros homens, mulheres e crianças.

Weydson — Como criação humana, portanto, essa "fantasia" — a religião — torna-se verdadeira...

Gullar — Para alguns. Mas ela é a resposta à Questão Fundamental, e por isso é uma coisa muito séria — por ser uma resposta à mais fundamental pergunta do ser humano que é: "Por que estou aqui ?" Agora, por ser uma coisa muito séria, ela é o produto da capacidade humana de criar, de imaginar, e aí essa obra o homem criou.

Weydson — Partamos das seguintes premissas: A religião, como resposta ou como saída para justificar os sofrimentos terrenos, promete uma vida melhor em uma outra dimensão, num mundo mundo paradisíaco que deve aguardar por aqueles que sofrem as misérias da pobreza, por exemplo. Na ideologia comunista, pelo contrário, justifica-se uma "igualdade" para as classes baseando-se em que esse "mundo melhor" deve ser vivido aqui mesmo, na terra, no país onde o sistema é instalado. E por isso mesmo é que a religião na cabe dentro do sistema, porque "prega" em direção contrária. Quando você diz que a religião, como "fantasia", só existe pra quem crê nessa fantasia, não poderíamos usar a mesma afirmativa em relação ao "comunismo", uma vez que como utopia, só existe para quem crê?

Gullar — (silêncio, reflete um pouco) — Isso aí é uma questão delicada; importante. Veja bem, o socialismo é uma tentativa do homem criar a sociedade justa. Porque o homem não tolera injustiça. É próprio do ser humano não aceitar a injustiça, a desigualdade. Você pode até ser injusto, mas você quer justificar o seu ato porque não aceita ser injusto. Então, o socialismo, como o comunismo, é uma tentativa de chegar a essa sociedade justa. Porque o capitalismo é uma força da natureza: Ele fecunda e destrói. Gera riqueza mas não gera igualdade. então morra quem morrer, porque ele vai levando tudo de roldão que nem um rio caudaloso. O que o socialismo pretende é que o processo social seja gerador de riquezas mas sem injustiça. E a divisão da riqueza e a igualdade. Logo, todas as concepções que compõem o ideário socialista e comunista visam estabelecer a eqüidade da distribuição da riqueza, acabar com a injustiça. Porém, o que a história mostrou foi que, ao por em prática essa idéia, não deu certo. E por "n" razões que não cabe analisar aqui. Mas os problemas surgidos na tentativa de por em prática o socialismo, de chegar à sociedade comunista, à sociedade sem classes, foram de tal ordem que inviabilizaram sua realização. E você pode dizer: "não, mas é porque o caminho tomado foi errado, ou porque sectarizou, ou por isso ou por aquilo". Mas a verdade é que a vida é muito complexa para ser planejada inteiramente. O que a experiência mostrou na União Soviética e nos outros países socialistas é que, quando você planeja, tende a enrijecer, e quando você tira os meios de produção da mão da iniciativa individual e põe na mão do Estado ele tem que planejar tudo, tem que produzir tudo, então ele tem que virar uma espécie de entidade onisciente que sabe tudo... E aí chegamos ao centro da contradição: se o marxismo "X" produz automóveis demais, irá ter prejuízo, desempregar gente e aí há um desastre porque produziu mais do que o mercado poderia consumir. Mas aí você planeja e produz ou de mais ou de menos, e começa a escassear, como ocorria na União Soviética. Eles produziam, por exemplo, presunto de qualidade "x". Você conseguia comprar esse presunto uma vez na sua vida e nunca mais achava de novo, porque sumia de tudo que é lugar. E isso era no calçado, na roupa, no eletrodoméstico, e você terminava empobrecendo. Se você planeja a produção de paletó em escala, você produz tamanhos pequeno, médio e grande. Mas aí tem gente magra demais, gorda demais, e você encontra na rua um cara com paletó pequeno demais, outro com um enorme. Isso sem contar que não tem a sofisticação da roupa ocidental, e outras coisas. Esses exemplos são só para não entrar em questões mais complexas da economia. então, o que a experiência demonstrou é que o projeto de planejamento centralizado não dá certo. E sem contar que no plano cultural isso gera coisas absurdas. Eu conversei com um poeta, lá (em Moscou) sobre o problema da revista literária e questionei se um poeta jovem, que fizesse uma poesia diferente, levasse seus poemas pra revista literária — que é do Estado — eles publicam ? Ele disse: — não, não publicam, porque quem dirige a revista do Estado não é um grande poeta, mas um escritor que preferiu ser diretor de revista do que ser poeta". Aí ele me perguntou: — "lá na sua terra é o Drummond que dirige os suplementos literários ou grandes revistas, não é ?" E aqui é mais grave, ele falou, porque o cara que está dirigindo a revista é membro do Partido para poder dirigi-la. Se ele publicar um poema literariamente subversivo ele é cobrado e destituído do cargo. Então, "a priori", ele não aceita mudança nenhuma. Tudo que é diferente ele não publica. Logo, a literatura pára. E isso se estende na arte e por aí afora porque começam a existir interesses partidários dentro do processo cultural. O cara quer defender o cargo dele...

Weydson — Isso não acontece também em órgãos da sociedade capitalista, com uma certa manipulação dos meios e "indicações" de escritores e artistas?

Gullar - Não. Quero. dizer, a manipulação há, mas o número de alternativas é muito maior. Se eu não publico no Diário de Pernambuco, eu publico no jornal do Commercio; se não publico no Jornal do Commercio, eu publico no Jornal do Brasil, e assim por diante. Porque há contradições entre eles, há interesses, diferenças... Não existe um capitalismo planejado onde se obedece a tudo. Sem contar que, se o cara do Jornal do Brasil publicar um texto seu que O Globo não quis publicar, ele não vai perder o emprego por causa disso. Nenhum editor de suplemento vai perder o emprego porque publicou um poema esquisito. A mesma coisa nas editoras. E eu não digo que seja fácil publicar um livro, mas você não tem uma única mente orientando o que deve ser publicado por todas as editoras do país. Porque, do contrário, um Estado que tem uma "filosofia" tende ao sectarismo. Não tem saída. Da mesma forma é se você cria um "estado religioso", como aconteceu com o bispo Macedo. Simplesmente porque o repórter do jornal dele resolveu noticiar o outro lado, foi mandado embora, Então, resumindo o "angu": o socialismo continua a ser o ideal das pessoas conscientes da sociedade porque ninguém aceita que a injustiça seja uma coisa normal. E embora ele tenha fracassado na prática, como representa a necessidade de justiça que é inerente ao ser humano, ele não vai morrer. O seu ideal será permanente na cabeça das pessoas, da mesma maneira que você deseja que as pessoas sejam mais afetuosas, que a ciência se desenvolva, etc. São aspirações humanas que, conseguindo ou não, o homem continuará a perseguir e a buscar. É uma utopia inerente ao ser humano.

Weydson — Como você vê o momento literário no Brasil de hoje?

Gullar - É muito difícil fazer generalizações. Há momentos em que, não se sabe por que, se produz muita literatura de qualidade, e há momentos em que se produz quase nada. Ninguém sabe o que determina isso. Assim como em determinadas épocas a pintura e a música florescem e em outras não. Eu sempre cito como exemplo o final do século XIX na França. Nunca vi tanto pintor genial junto. É inacreditável: Manet, Monet, Pissaro, Renoir, Cézanne, e em seguida, Gauguin, Matisse, Rédon, e depois é Picasso, é Braque... É inacreditável quando você pega da segunda metade do Séc. XIX até os anos 20, a quantidade de artistas geniais. Mas de repente pára. Qual é o cara genial que tem lá agora? Ninguém. Esses fenômenos são inexplicáveis. É claro que, às vezes, o florescimento cultural depende do florescimento econômico. Por exemplo: Ouro Preto, antiga Vila Rica. Lá você teve o florescimento da escultura, da arquitetura, numa cidadezinha no interior do Brasil, no séc. XVIII. Em compensação você tem exemplos de grande florescimento econômico sem ter o cultural. É claro que sem riqueza nenhuma você não constrói igrejas; você não pode produzir livros se não tiver recursos; mas você pode ter os recursos e não produzir. Todo mundo sabe que a criação artística é individual. Você pode até trabalhar em equipe, mas é uma soma de individualidades criadoras. Não existe a criação coletiva por si mesma. Então, o que importa, é que agora um poeta, um garoto de 17 anos, esteja lá no interior do Rio Grande Sul, ou de Pernambuco, fazendo uma grande poesia que nós ainda não conhecemos.

Weydson — Você acha que hoje ainda é preciso que esses novos talentos venham para o Rio de janeiro para terem suas obras reconhecidas?

Gullar — É claro que, onde ele estiver, ele terá que se manifestar, que se expor ao público, do contrário ele não será conhecido. Mas eu acho que no Brasil de hoje não há mais aquela necessidade de vir para o Rio de Janeiro para ser reconhecido. Há vários exemplos de artistas e escritores que vivem em seus estados e são reconhecidos. É claro que o Rio de janeiro e São Paulo continuam a ter uma capacidade de repercussão maior; sobretudo o Rio. Aqui essa capacidade é até maior do que em São Paulo. Isso faz parte da história brasileira. Entretanto, o grande escritor, o jovem poeta não precisa morar no Rio de janeiro. O que acontece é que, como hoje não há crítica literária, há uma dificuldade muito grande pra tudo que é escritor e poeta, more ele no Rio ou não. A crítica literária acabou, não existe mais.

Weydson — Não existe a boa crítica literária ou não existe de forma alguma?

Gullar — Não existe o exercício da crítica literária porque não há lugar onde exercê-la. Antigamente a gente tinha o rodapé de crítica, tinha o Álvaro Lins que semanalmente escrevia sobre o último romance publicado pelo Graciliano, ou o último livro de Contos do Breno Acioly, ou o último livro de poemas do Jorge Lima. Isso sempre estava lá. Mas os jornais acabaram com a crítica literária como acabaram com a crítica de teatro.

Weydson — Mas o Wilson Martins mantém uma coluna no "Idéias", do J.B.?

Gullar - É... Ele ainda tem uma coluna. A Folha de S. Paulo me parece que está abrindo um pequeno espaço para resenhas de livros, mas só resenhas mensais. Mas o crítico de verdade, aquele que analisava, discutia, consagrava a obra do escritor, é uma espécie em extinção, acabou. Dificulta pros jovens, porque ninguém fala, não há discussão, e não há, conseqüentemente, a difusão do seu livro. Porque na medida que você publicava um livro e era criticado, ou por bem ou por mal, se falava do livro, criava algo em torno.

Weydson — E qual a esperança pra esses novos que virão? (Em tempo: Wilson Martins está atualmente em O Globo e o Jornal de Poesia publica seus ensaios

Gullar - Em primeiro lugar eles não devem parar de escrever poesia, e mesmo porque não conseguiriam, se forem verdadeiros poetas. E claro que a vida muda, a sociedade muda e que não há mais aquele crítico, mas na medida em que sua poesia tenha alguma coisa que se comunique com as pessoas, ela irá sobreviver, porque irá passando de pessoa pra pessoa. Eu tenho o testemunho de vários poetas jovens que me mandam livros, que mandam pra outros poetas. As vezes acontece de um amigo ligar pra mim e dizer: "Você viu o livro daquele rapaz lá de Goiás, você recebeu o livro dele, procure ver, é interessante..." Quer dizer, não é uma coisa destituída de esperança ainda. Pela razão que poesia é uma coisa importante para as pessoas. Sem contar o público que habitualmente lê, o garoto que compra o livro, o jovem que está buscando e necessitando da poesia, que já leu Drummond, Vinicius, e começa a virar leitor de poesia. Porque a poesia tem isso, ela tem leitores fiéis, e isso é importante. O cara que depois que te descobre começa a buscar teus outros livros, sabe poemas de cor, e você passa a fazer parte da vida dele. E essa relação do leitor com a poesia, nem o romancista, porque o romancista tem outro tipo de fantasia e a relação que ele tem com a sua obra é diferente da relação que o poeta tem com a sua própria obra. Porque o poeta, muito mais que autor, é personagem. Um personagem que te dá a vida dele. É aquilo que o Whitman diz: "Isto não é um livro, quem toca nele toca num homen". Por isso a relação é diferente. Poesia quase não é literatura. Porque ela não quer ser literatura, quer ser carne. Eu tenho um ensaio em que digo: "0 poeta é contra as palavras. Ao contrário de tudo o que se diz, a poesia e o processo de desaparecimento da palavra". Não há uma "tese" que diz que poesia se faz com palavras? Pois é, mas para apagar a palavra. Porque a palavra é matéria, e poesia é arte, é espírito. Quando o poeta diz: "Eu, mistura de seda e péssimo" (Carlos Drummond de Andrade), desaparece a palavra "seda", desaparece a palavra "péssimo", e se cria uma coisa estranha que passa a ser substância, Logo, a poesia é o processo de desaparição da palavra, para a vida tomar o seu lugar. Aquilo que para a palavra comum está ausente, e que é a vida, na poesia se revela, e a palavra desaparece. É um processo de consumação e desaparecimento da palavra.

Weydson — É o único momento em que a vida toda é a palavra...

Gullar — Claro! É o esforço todo do poeta em revelar que a palavra é vida.

Weydson — Nós estamos indo numa direção diametralmente oposta à tese de Mallarmé, de que poesia se faz com palavras...

Gullar - Porque ele dá um lado da questão, na medida em que você tem que atentar para a palavra. Mas "se faz com palavras" como o fogo se faz com o carvão, para queimar o carvão e liberar a energia e a luz. Poesia se faz com palavras, mas para se obter a poesia ao se queimar e acabar com a palavra.

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