segunda-feira, março 17, 2008

A natureza do perverso

Smoke works- 40: Fire dancer (v3.4)
Mehmet Ozgur
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estrevista
A natureza do perverso
O psiquiata Krafft-Ebing chamou de conto de fadas científico as primeiras teorias de Freud sobre " perversões" o psicanalista cearense Antônio Secundo responde porque não
Um dos psiquiatras mais importantes na formulação do discurso científico sobre as patologias sexuais no século XIX, Richard von Krafft-Ebing (1840-1902), não se convenceu da teoria de Sigmundo Freud (1856-1939). O próprio Freud repensaria ela várias vezes, mas sempre seguindo um deslocamento fundamental no entendimento das, então, aberrações sexuais: mudar de lugar o entendimento sobre as perversões sexuais, do campo da patalogia para o da natureza da sexualidade humana.

O Vida & Arte Cultura foi entender como Freud respondeu às inquirições complexas de uma prática que engodou seus próprios conceitos. Em entrevista, o psicanalista e membro do Corpo Freudiano de Fortaleza, Antônio Secundo, 44 anos, autor de dissertação de Mestrado sobre o conceito de "perversão", fala sobre como o fundador da psicanálise pensou o tema e como o masoquismo, particularmente, pôs Freud em uma encruzilhada, obrigando-o a rever um de seus princípios fundamentais, sem, contudo, conseguir explicá-lo. (Pedro Rocha)

Como Freud analisa o sadomasoquismo no contexto, até então, de um discurso da psiquiatria que o ver como patologia?

O Freud encontra uma teorização feita pela medicina sobre as perversões sexuais, que são denominadas de aberrações sexuais pela medicina no final do século XIX. Houve nessa época todo um investimento da medicina na catalogação dessas aberrações e perversões, que são encaradas como doenças, como algo de ordem orgânica. Entre as quais aparece o masoquismo. Tem um livro chamado Psychopathia Sexualis, de Richard Von Krafft-Ebing, que é, na verdade, um catálogo com 238 casos, vários tipos de perversões, fetichismo, homossexualismo, sadismo. Quando Freud encontra isso, ele vai fazer uma primeira teorização sobre isso. Em 1905, ele fala das aberrações sexuais, se referindo a todos esses autores, entre eles Krafft-Ebing. A explicação dada pelos médicos pra chamar isso de aberração é a de que isso é uma degeneração do sistema nervoso. O Freud vai considerar que não é bem assim. Na atividade sexual do ser humano, mesmo em quem não é doente, existe sexo oral, sexo anal, ou seja, a sexualidade das pessoas ditas normais congrega uma série de coisas que não estariam voltadas diretamente ao órgão genital. Ele diz que essas práticas todas não podem ser pensadas como doença, isso é da natureza da sexualidade humana, o próprio aspecto perverso. Ele trata perverso no sentido de desviante do biológico, que é o próprio processo de humanização. Freud vai dizer que a sexualidade humana é exatamente perversão, no sentido de desviante da sexualidade meramente genital. O ser humano não tira prazer apenas do órgão genital. O corpo todo é erotizado.

Dentro dessa teorização, como Freud trata especificamente do masoquismo?

No sadismo, a libido se liga à "pulsão de vida", porque tá se dirigindo a um objeto externo. É uma pulsão de destruição, mas em direção ao outro. O sentimento sádico seria a característica do ser humano de se dirigir ao mundo e dominar o mundo. No masoquismo, o sujeito sofre com a dor dele, e isso pode levá-lo a morte. A morte tira toda a tensão - no sentido de excitação, inclusive, física -, volta ao estado inorgânico, e o corpo tem uma tendência a esse estado. Mas Freud vai dizer que o que rege a sexualidade humana é o princípio do prazer. Então, como o ser humano se dirige para um caminho em que ele vai sofrer? Esse masoquismo tem raízes muito profundas na vida do sujeito. O sujeito não tem só sensações de alívio, ele também tem dores, e esse mal-estar conduz a algum tipo de prazer. Freud, então, percebe que existe uma outra lei. Ele vai hipotetizar a "pulsão de morte", que é uma tendência de retorno ao inorgânico. Ele vai perceber que o desejo humano é contraditório, ocorre sofrimento e gozo. Freud vê a contradição. Ele percebe que existe na clínica um mal-estar constante dentro das pessoas felizes. Ele vê isso de alguma maneira na história da humanidade.

O sadomasoquismo, então, instaura uma contradição fundamental no pensamento de Freud?

Quando ele identifica esse mal-estar, a tendência a auto-destruição do ser humano. O que ele tá identificando primeiro é que isso é coisa da sexualidade humana, o que isso não quer dizer que não venha a se tornar uma perversão. Entre 1920 e 1923, ele vai dizer que o masoquismo é uma coisa originária. Então, o masoquista goza pela erotização da dor, mas ele não deixa uma explicação clara de por que isso acontece, ele realmente não consegue explicar isso. É um fato clínico, mas porque que isso acontece ele não dá uma resposta. O que ele encontra é que o masoquismo denuncia o fracasso do princípio do prazer.

O ser humano estaria em uma tensão entre a pulsão de vida, um sentimento sádico, e a pulsão de morte, masoquista?

O que ele identifica na clínica o tempo todo é que há o conflito, é inegável a presença do conflito, mesmo porque um vai reconhecer o outro lado, um implica o outro, a vida implica a morte e a morte implica a vida. É um raciocínio dialético. No princípio do prazer, o que acontece é que, a medida que eu baixo a tensão, eu evito o desprazer; a partir do momento que eu aumento, eu aumento o desprazer. Isso numa concepção em que o corpo tende a estabilidade. Mas no caso da relações sexuais, há um aumento da tensão e há um prazer, então isso também contradiz ou revela um certo fracasso do princípio do prazer. A própria sexualidade implica uma certa tensão, uma relação onde as coisas são muito passivas torna-se quase insuportável. Ele fala que há um masoquismo erótico primário, o sujeito pode gozar com a dor. Quando o sujeito nasce que tem a primeira respiração, há uma invasão do ar no pulsão e essa ingestão é uma dor violentíssima, é uma das maiores dores que o sujeito pode sofrer, então, ele tem que chorar realmente, porque é uma invasão da vida, mas ao mesmo tempo uma invasão de dor.

GLOSSÁRIO

Plug - Objeto em forma de pênis, mas com um estreitamento na base, próprio para ser inserido no ânus. Normalmente de látex ou borracha. Alguns podem vibrar ou expelir líquidos. Podem ser usados para treinamento anal. Privação Sexual - Ato de impedir física ou mentalmente que o(a) submisso(a) tenha prazer. Pode ser aplicado tanto por voz de comando, caso haja um condicionamento para tal, como por meio de aparelhos para impedir as sensações físicas. Proibição de Orgasmo - Ato de proibir, apenas pela ordem verbal a obtenção de orgasmo por parte do submisso(a). É comum o(a) dominador(a) ordenar ao submisso(a) que não goze, a não ser que ordenado pelo dominador(a). Requer uma grande dose de concentração e auto-controle. Spanking - Nome utilizado dentro da comunidade BDSM para o ato de bater, notadamente na região das nádegas. Não se pode confundir o spanking dentro do BDSM e do S.S.C. com o ato da violência física. São situações diametralmente opostas. Nenhum dominador(a) ou submisso(a) corrobora ou aceita a idéia de que para entregar-se deve apanhar ou tomar uma surra.

Subspace - Um estado físico e mental ocasionado pela liberação de endorfinas. As endorfinas podem ser liberadas devido ao stress ou á uma prática intensa em uma sessão BDSM. Não é um acontecimento comum. Submisso(a) - quem abre mão do controle dentro do relacionamento ou do jogo. Pode ser chamado(a) de bottom. Switcher - Do inglês switch (trocar) - Pessoa que tem prazer em atuar como dominador(a) e submisso(a).

Tickling - Pratica aparentemente inocente, mas utilizada milenarmente pelos chineses como tortura menor. O tickling é o ato de se aplicar cócegas e beliscões em alguém. Psicologicamente perturbador, depois de um tempo transforma-se em uma poderosa forma de estímulo sensual.
FONTE: O POVO Online - CE,Brazil

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