quinta-feira, março 13, 2008

Conheça a poesia engajada de João Cabral de Melo Neto; leia capítulo

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Saqib Z.
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12/03/2008 - 10h30
Conheça a poesia engajada de João Cabral de Melo Neto; leia capítulo
da Folha Online
A obra de João Cabral de Melo Neto (1920-1999) é uma das maiores criações da cultura brasileira do século 20. Se trata de uma poesia cerebral e não emotiva. O poeta recorre a uma construção elaborada da linguagem para criar uma atmosfera poética. Leia introdução abaixo.
O livro "João Cabral de Melo Neto", da série "Folha Explica", de autoria de João Alexandre Barbosa, editado pela Publifolha, traz a obra de um escritor que se soube se engajar com a realidade social e humana ao seu redor.
Poemas como Morte e Vida Severina e O Cão sem Plumas estarão, para sempre, incluídos entre os maiores que a poesia brasileira produziu. Seu rigor formal e expressivo pode ser visto como uma lição que não é só de poesia, mas também de ética.
O autor João Alexandre Barbosa, autor do livro, é professor de teoria literária e literatura comparada da USP, onde foi pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária e presidente da editora (Edusp).
A série "Folha Explica" ambiciona explicar os assuntos tratados e fazê-lo em um contexto brasileiro: cada livro oferece ao leitor condições não só para que fique bem informado, mas para que possa refletir sobre o tema, de uma perspectiva atual e consciente das circunstâncias do país.
Introdução: Os contextos do poeta e da obra
Entre os anos 40 e 90, durante cinco longas décadas, surgindo depois da enorme efervescência da poesia dos anos 30 e influindo vivamente na formação das vanguardas poéticas dos anos 50 e 60, a obra de João Cabral de Melo Neto (1920-99) deixa ler um largo trecho da história da poesia brasileira moderna e contemporânea, ao mesmo tempo que se identifica como um paradigma fundamental para o futuro dessa história. Mas foi nos anos 50 que mais claramente se configurou o seu traçado.
A publicação, em 1956, pela José Olympio, do livro Duas Águas, ao mesmo tempo que reunia a obra de João Cabral, com os livros dos anos 40 e 50 - de Pedra do Sono, de 1942, a O Rio ou Relação da Viagem Que Faz o Capibaribe de Sua Nascente à Cidade do Recife, de 1954 -, incluía também três novos livros. Os dois primeiros escritos entre 1954 e 1955, e o último, em 1955: Morte e Vida Severina: Auto de Natal Pernambucano, Paisagens com Figuras e Uma Faca Só Lâmina, ou Serventia das Idéias Fixas.
O título da coletânea, cuja primeira referência era a um certo tipo de telhado muito comum em casas simples do Nordeste, sugeria também uma divisão da obra em duas vertentes: a dos poemas voltados para a expressão de estados oníricos e de vigília, em que se mesclam emoções, afetividades e consciência do próprio fazer poético, que, de um modo geral, corresponde às obras publicadas até 1947, com Psicologia da Composição; e a de uma poesia mais transitiva e, por assim dizer, social, que, iniciando-se com o longo poema de 1950, O Cão sem Plumas, atinge o seu ápice com Morte e Vida Severina, publicado em 1956.
É claro que a divisão não pode ser tomada ao pé da letra: nem a primeira vertente está esvaziada das preocupações sociais e mesmo históricas que aparecerão como dominantes na segunda, nem esta pode ser devidamente apreciada sem as tensões entre o dizer e o fazer que são, com freqüência, tematizadas na primeira. De qualquer modo, foi um grande acontecimento na bibliografia do poeta.
Era a sua primeira publicação por editora comercial de primeiríssima ordem no circuito editorial brasileiro de então, pois todos os seus livros anteriores haviam sido publicados por ele mesmo ou por amigos, em pequenas e quase secretas tiragens. (Com exceção dos Poemas Reunidos, de 1954, sua primeira edição comercial, publicados pela pequena editora Orfeu, e de O Rio, que, tendo sido premiado por ocasião do IV Centenário da Cidade de São Paulo, foi editado, com maior estridência, pela própria comissão organizadora do evento.) Por outro lado, a data de publicação coincidia com a do aparecimento de duas obras que vieram mexer profundamente no cânone literário brasileiro, do lado da prosa ficcional: Grande Sertão: Veredas e Corpo de Baile, de João Guimarães Rosa (1908-67).
Os conteúdos regionalistas da obra desse último autor não podiam ser acessados sem uma passagem obrigatória por um intenso e transformador trabalho literário, chegando-se a um universalismo alimentado pelo concreto da realidade que era lido pelo sábio tratamento das abstrações da linguagem. Assim, as Duas Águas, ao mesmo tempo que localizavam a poesia num espaço regional, o do Nordeste, e por força do trabalho poético que se definia pelas tensões entre as duas águas, criavam também o espaço para que esse regional fosse apreendido de modo mais crítico e, por aí, mais universal.
Desse modo, talvez a melhor leitura a fazer do título da antologia seja a de revezamento ou, no mínimo, de mistura, em que a predominância seja antes da existência de águas do que de duas: a da poesia que se espraia e que unifica emoções, afetividades e pensamentos do poeta por entre a variedade dos estímulos da realidade.
Realidade que, para ele, parece ser tanto a da própria poesia, com a sua história e a sua linguagem, por onde passam leituras de outros poetas e outras tradições poéticas, e a reflexão sobre elas no corpo do próprio poema que está sendo escrito, quanto a da sua região de origem, também com a sua história e a sua linguagem. A articulação entre as duas, propiciando o aparecimento de ambigüidades e tensões específicas do trabalho poético, vai estar no núcleo da sua poética, e, por isso mesmo, aquele livro de 1956 não é só um resumo da obra produzida até então, mas um módulo, ou mapa de orientação, para o que virá em seguida.
Por outro lado, tal articulação vinha responder a uma outra, mais geral, de contexto: a das pressões sofridas por qualquer poeta que se iniciasse nos anos 40 no Brasil.Era, por um lado, a existência muito viva de uma forte tradição pós-modernista de poesia, representada, sobretudo, por Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Jorge de Lima e Augusto Frederico Schmidt; e, por outro, os ecos ainda muito fortes de todo o movimento regionalista da ficção da década de 30, em que sobressaíam José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Amado e Raquel de Queirós, entre outros.
À primeira fonte de pressões respondeu-se, de um modo geral, com uma poesia de imitação diluidora, acentuando-se os aspectos "poéticos" (as aspas aqui têm valor negativo), refugando algumas conquistas do próprio modernismo de 22, como, por exemplo, o humor e o veio coloquial e irônico (conquistas que, originadas em Oswald e Mário de Andrade, se ampliavam sobretudo através de um Manuel Bandeira e de um Carlos Drummond de Andrade), ou mesmo o aproveitamento de valores da prosa na realização do poema. O resultado era uma poética de raridades, mais chegada às abstrações de uma lírica da subjetividade do que ao concreto da realidade, privilegiando-se a sabedoria técnica do verso e o retorno programático a formas tradicionais do poema, de que o soneto foi o melhor exemplo. Foi o caminho tomado por grande parte dos poetas que constituíram a chamada "Geração de 45", a que somente por um acidente cronológico se tem juntado o nome de João Cabral.
À segunda ordem de pressões, a resposta em alguns poetas e poemas foi a da excessiva folclorização, tendendo ao exotismo regional e, às vezes, chegando mesmo à imitação grotesca de falares localizados. Uma poesia caipira, ou sertaneja, que muito pouco tinha a ver com a verdadeira poética a ser extraída da cultura popular, num esquecimento lastimável daquilo que havia sido a grande lição dos estudos sobre a cultura popular de um Mário de Andrade ou de um Câmara Cascudo, por exemplo, de onde resultou a síntese antiexótica que foi o Macunaíma, ou mesmo do que era torturada busca pela autenticidade regional na poesia de largo sopro épico de um Jorge de Lima.
A poesia de João Cabral será, na verdade, uma resposta a essas duas fontes de pressão e uma busca incessante de articulação entre as duas. Para a primeira, o leitor encontra a melhor resposta no poema "Antiode", uma espécie de declaração de princípios "antipoéticos" (e aqui as aspas têm valor positivo), incluído no livro Psicologia da Composição.
A esse poema ainda voltaremos, e baste agora dizer que, trazendo um subtítulo implacável e devastador com relação àquilo que se fazia na continuidade da grande tradição lírica pós-modernista e que se configurava como definição da Geração de 45, contra a poesia dita profunda, a "Antiode" buscava realizar uma limpeza nos despojos líricos tradicionais, precisamente ali onde mais se escondem os ardis da inconsciência poética, isto é, nas relações dadas e aceitas, sem discussão, entre poesia e imagem.
Já nas duas primeiras estrofes do poema, essas relações são postas sob suspeição:

Poesia, te escrevia:
flor! conhecendo
que és fezes. Fezes
como qualquer,
- gerando cogumelos
_(raros, frágeis cogu-_
melos) no úmido
_calor de nossa boca.

É esse sentido de limpeza, ainda que pareça irônico o uso da palavra na substituição que o poeta faz de flor por fezes, que permite, nas últimas estrofes do poema, a superação da imagem pela linguagem:

Poesia, não será esse
o sentido em que
ainda te escrevo:
flor! (Te escrevo:
flor! Não uma
flor, nem aquela
flor-virtude - em
disfarçados urinóis.)

Flor é a palavra
flor, verso inscrito
no verso, como as
manhãs no tempo.

Já para a segunda forma de pressão, a resposta mais completa foi dada com a publicação do poema O Cão sem Plumas, em que a matéria regional é tratada pelo verso rigoroso e disfórico que o poeta aprendera a dominar nos livros publicados até 1947. Na verdade, esse poema parece ser uma dupla resposta: à pressão de época mencionada e ao próprio estágio a que chegara João Cabral com as três partes que constituem Psicologia da Composição, onde a predominância é de poemas, como a "Antiode", em que sobressaem a negatividade e a recusa do lírico.
Agora, tratava-se de criar um espaço poético em que fosse possível, sem negar as conquistas da aprendizagem anterior, ainda que negativas, dar expressão a significados social e historicamente mais amplos. Criava-se, e é o que o poema vem fixar pela primeira vez em sua obra, uma estreita dependência entre poética e ética, ou entre poesia e conhecimento social e histórico, como uma maneira de inserção nos debates então muito acesos acerca das relações entre criação poética e expressão da realidade.
As respostas iniciais de João Cabral, portanto, serão, daí por diante, as marcas tensas de uma poesia que, querendo-se consciente do fazer e da construção, se abre, cada vez mais, para o dizer da experiência dos homens e do mundo.
Consciência para a feitura e a construção do poema, que o transformaram em verdadeiro ícone para as vanguardas poéticas que surgiam em fins dos anos 50, e abertura para o dizer da experiência, traço que compartilhava com os seus mestres pós-modernistas, um Drummond, um Bandeira, um Murilo Mendes: eis as duas faces de sua poesia que logo o identificaram como um dos mais importantes poetas da época. O que só fez se confirmar e ampliar com a publicação de sua obra posterior: um dos mais importantes poetas brasileiros do século 20.
A análise dessa evolução, pela leitura individualizada das obras, é o objetivo deste livro. Cada capítulo, apreendendo momentos da obra de João Cabral, segue uma sucessão cronológica, a fim de dar ao leitor uma ordem de leitura. Por isso, os títulos dos capítulos buscam fixar aquilo que há de mais característico em cada momento.

Autor: João Alexandre Barbosa
Editora: Publifolha
Páginas: 112
Quanto: R$ 17,90
Onde comprar: Nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha
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FONTE: Folha Online - São Paulo,SP,Brazil

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